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Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 32

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 32

Geometria

Acabado o forte do rio Grande, que se intitula dos reis, o entregou Manuel Mascarenhas a Jerônimo de Albuquerque dia de S. João Batista, era de mil quinhentos noventa e oito, tomando-lhe homenagem, como se costuma, e deixando-lho muito bem fornecido de gente, artilharia, munições, mantimentos, e tudo o mais necessário, se veio no mesmo dia com a sua gente dormir na aldeia do Camarão, onde Feliciano Coelho estava com o seu arraial aposentado, e no seguinte se partiram todos para a Paraíba com muita paz e amizade, que é o melhor petrecho contra os inimigos, e assim o experimentaram os primeiros, que acharam em uma grande e forte cerca seis dias depois da partida, a qual mandaram espiar por um índio mui esforçado da nossa doutrina chamado Tavira, que com só 14 companheiros, que consigo levava, matou mais de 30 espias dos inimigos sem ficar um só, que levasse recado, e assim os nossos subitamente na cerca deram ao meio-dia, e contudo pelejaram mais de duas horas sem a poderem entrar, exceto o Tavira, que temerariamente trepando por dia se lançou dentro com uma espada, e rodela, e nomeando-se começou a matar, e ferir os inimigos, até lhe quebrar a espada, e ficar com só a rodela, tomando nela as flechas, o que visto pelo capitão Rui de Aveiro, e Bento da Rocha, seu soldado, tiraram por uma seteira duas arcabuzadas, com que os inimigos se afastaram, e lhe deram lugar de tornar a subir pela cerca, e sair-se dela com tanta ligeireza como se fora um pássaro; e com este, e outros semelhantes feitos tanto nome havia ganhado este índio entre os inimigos, que só com se nomear, dizendo eu sou Tavira, acobardava e atemorizava a todos; e assim atemorizados com isto os da cerca, e os nossos animados, vendo que se a noite os tomava de fora com o inimigo tão vizinho, e outros, que podiam sobrevir de outras partes, ficavam mui arriscados. Remeteram outra vez a cerca com tanto ânimo, disparando tantas arcabuzadas e flechadas, que puseram os de dentro em aperto, e se deixou bem conhecer pelos muitos gritos, e choros, que se ouviam das mulheres e crianças; e o capitão Miguel Álvares Lobo com o seu sargento João de Padilha, espanhol, e seus soldados, remeteu a uma porta da cerca, e a levou, por onde logo entraram outros, e o mesmo fez o capitão Rui de Aveiro, e outros capitães por outras partes, com que forçaram os Potiguares a largar a praça, e fugiram por outras portas, que abriram por riba da estacada, e por onde podiam, mas contudo não deixaram de ficar mortos, e cativos mais de 1.500, sem dos nossos morrerem mais de três índios Tabajaras, posto que ficaram outros feridos, e alguns brancos, dos quais foi o sargento João de Padilha. Dali a 14 dias deram em outra cerca, e aldeia, não tão grande como estoutra, mas mais forte, e de gente escolhida, onde não havia mulheres, nem crianças, que chorassem, senão todos homens de peleja, e entre eles 10 ou 12 bons arcabuzeiros, os quais não atiravam pelouros, que não acertassem nos nossos, o mesmo faziam os flecheiros, com que nos feriam muita gente, e não fora possível sustentar o cerco, se um soldado natural da serra da Estrela, chamado Henrique Duarte, não lançara uma alcanzia de fogo dentro, com que lhes queimou uma casa, e vendo eles o fogo, cuidando que seriam todos abrasados, se foram saindo da cerca, não fugindo ou dando as costas, mas retirando-se, e defendendo-se valorosamente contra os nossos, que os seguiam, e assim ainda que lhes mataram cento e cinqüenta, também eles nos mataram seis brancos, em que entrou Diogo de Sequeira, alferes do capitão Rui de Aveiro Falcão, com um pelouro, que primeiro havia passado a carapuça a Bento da Rocha, que estava junto dele, o qual quando o viu morto, e a bandeira derribada, a levantou, e se pôs a florear com ela no campo entre as flechadas e pelouros, pelo que o seu capitão-mor Manuel Mascarenhas lha deu, e lhe passou depois uma certidão, com que pudera requerer um hábito de cavaleiro com grande tença, mas ele o quis antes do nosso seráfico padre São Francisco, com a tença da pobreza e humildade, em que viveu, e morreu nesta custódia santamente. Também feriram o capitão Miguel Álvares Lobo de duas flechadas, e a Diogo de Miranda, sargento da Companhia de Manuel da Costa Calheiros, deu um índio agigantado tal golpe com um alfanje, que lhe fendeu a rodela até a embraçadura, e o feriu no braço, e ele lhe correu uma estocada, metendo-lhe a espada pelos peitos até a cruz, a qual não bastou para que o índio se não abraçasse com ele tão rijamente, que sem falta o levara debaixo, se não acudira Jerônimo Fernandes, cabo de esquadra da sua companhia, dando-lhe um golpe pelo pescoço, com que o fez largar, e enterrados os mortos, e curados os feridos, tornou o campo a marchar até chegar às fronteiras da Paraíba, donde se despediu Manuel Mascarenhas de Feliciano Coelho, e se foi com os seus para Pernambuco.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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