Ações

PETER HANSEN. VIAGEM À MINA DE PRATA DE UTATAPARABA

De Atlas Digital da América Lusa

PETER HANSEN. VIAGEM À MINA DE PRATA DE UTATAPARABA

Geometria

Levy benjamin.png

HANSEN. VIAGEM À MINA DE PRATA DE UTATAPARABA (= Itabiraba).


Tradução para o português feita por Benjamin N. Teensma


Fragmento do manuscrito Das Memorial und Jurenal des Peter Hansen (1624-1672), pertencente ao Schleswig-Holsteinisches Landesarchiv zu Schleswig, assinatura: Abt. 400.1, Nr. 343. Editado por Frank Ibold, Jens Jäger e Detlev Kraack, e publicado na série Quellen und Forschungen zur Geschichte Schleswig-Holsteins, vol. 103, Neumünster 1995: 86-89.

[86] A 26 de janeiro (de 1650) veio o Engenheiro Strucht da cidade do Recife com ordem do Alto Governo para procurar a mina de prata no sertão que estaria a cerca de 30 léguas interior adentro. Para tal expedição foram mobilizados um sargento com 12 soldados do forte do Rio Grande; e como seria difícil para o Engenheiro contar tantos passos, eu fui mandado com ele ao sertão. Tínhamos 12 negros para transportar nossas provisões, e 10 brasilianos para nos guiar. 5) No primeiro dia chegamos à Lagoa Jacaré-Mirim, onde passamos a noite debaixo de um cajueiro.

A 27 do dito seguimos a Camaragibe, onde passamos a noite numa velha aldeia queimada a 9 léguas de Rio Grande.

A 28 do dito seguimos marchando umas 4 léguas, e passamos a noite na margem do Rio Potengi. E como devíamos marchar pelo leito do rio que consistia de areia seca e espessa, tínhamos que cavar nela por água. E todos os passos andados deviam ser contados pelo engenheiro e por mim, de modo que não andávamos rapidamente.

A 29 do dito seguimos marchando umas 5 léguas, e passamos a noite ao sopé duma alta roca de pedra. Havia lá uma lagoa grande e profunda, Caicatinga chamada pelos brasilianos. Os brasilianos não queriam beber dessa água. E dizendo que o diabo vive nela; mas alguns dos nossos beberam. [87] Mas os que tinham bebido caíram logo doentes de diarreia.

A 30 do dito marchamos de novo umas 2 léguas. Outra vez encontramos uma lagoa, chamada Tingeciade pelos brasilianos. Foi a melhor água que encontramos em toda essa viagem, porque sempre devíamos cavar por ela, e sempre a achávamos terrivelmente salgada a minerais, enxofre e salitre, e por conta dessa água muitos dos nossos adoeceram de diarreia; de modo que não podíamos seguir viajando. Nessa viagem matamos muitos pombos, que deles o sertão abunda.

A 31 do dito seguimos marchando até ao sopé duma grande roca de pedra, onde pernoitamos.

De madrugada deixamos lá um soldado nosso porque estava doente e não podia andar. Deixamos um soldado e um brasiliano com ele, que deviam cuidar dele enquanto vivesse ou se restabelecesse. Os outros seguimos marchando do lado direito do rio Potengi até chegarmos a outro riacho seco que se chamava Riepe Ratuba (= Córrego Retorto). Subimo-lo umas 2 léguas, e passamos a noite ao sopé duma roca mui alta. Cavamos por água e não achamos nada. Devíamos contentar-nos assim com uns restos de água de chuva e o mijo dos mocós, cujo líquido devíamos coar por um lenço, por conta das muitas caganitas, e que era salgado como a água do mar. Os mocós nos serviam também de alimento, porque havia muitos deles nas fendas das rocas, e eram muito saborosos.[1]

A 1 de fevereiro seguimos viajando, e por volta do meio-dia chegamos à mina de prata. Lá logo cavamos por água, e nos refrescamos com algo. Deixamos aqui o resto da nossa gente, continuando com um grupo de apenas seis pessoas, a saber o Engenheiro Strucht, Pedro Persijn, um sargento com dois soldados, e eu. Depois de andar umas 2 léguas, chegamos a um monte altíssimo cujo topo era invisível. Ao sopé do monte brotava uma fonte cristalina, mas quando tentamos beber dela a água era tão salgada e salitrosa, devido à presença do mineral que provavelmente havia no monte. Também era impossível observar o monte por causa dos raios ofuscantes do sol que brilhava nele, e que se estendia por uma légua de distância. Havia nele algumas árvores secas, e pelo resto era como se fosse um monte de prata só. O engenheiro queria escalá-lo uma parte, e assim fui lá com Pedro Persijn, o comandante dos tapuias; e fomos subindo ao topo até à entrada da noite. Quando lá chegamos apenas podíamos distinguir os cumes dos outros montes. Tínhamos marcado todas as árvores com um machado [88], para reencontrar o caminho para baixo. Mas como já escurecera, fizemos fogo debaixo duma árvore seca, e lá passamos a noite. Também demos dois tiros com os mosquetes, mas nossa gente embaixo não nos ouviu. Depois de termos ficado sentados uma hora, e porque estávamos muito cansados, fiquei no primeiro turno da guarda, porque ele [Pedro Persijn] dormiu. Então começou — se bem que tudo estava quieto — a zumbir e farfalhar tão forte que pensávamos que o mundo estava acabando. Depois seguiu uma medonha série de relâmpagos e trovões, e era como se todo o monte estivesse cheio de soldados e cavaleiros sussurrando entre si como se estivessem conversando. Mas não podíamos entender uma palavra. Trazia comigo uma toalha e deitei-me ao lado do fogo para ler e orar. Assim passamos a noite em grande terror e quase enlouquecidos, sem saber se devíamos subir ou descer. Além disso não podíamos achar o nosso caminho marcado para baixo.

No outro dia (2? de fevereiro) por volta das 10 horas estávamos outra vez ao sopé do monte, mas sem encontrar nossa gente. Marchamos então à bússola até chegarmos à fonte onde tínhamos deixado nossa gente. Mas lá não havia ninguém, porque eles já tinham regressado, pensando que não voltariam a ver-nos. Nós então voltamos à mina de prata onde achamos nossa gente que, devido à sua preocupação, ficou mui contente com a nossa volta. Entramos na galeria onde os portugueses anteriormente tinham extraído o minério; onde achamos alguns velhos carrinhos de mão que tinham deixado. Tomamos conosco umas 100 libras de minério para provas, e regressamos.

A 5 de fevereiro saímos da mina de prata e marchamos 3 léguas. Então cavamos por água, e lá ficamos a noite.

A 6 de fevereiro marchamos de novo umas 5 léguas, quando achamos ao sopé de uma alta roca de pedra uma grande e profunda poça de água, onde permanecemos a noite.

A 7 do dito de manhã seguimos marchando por 6 léguas, e passamos a noite à margem do rio Potengi sob uma grande árvore, num lugar que os brasilianos chamam Tabiane. Matamos lá um animal chamado anta, com a cabeça de um boi, o tamanho de um cavalo, e os pés como três cascos de cavalo juntos, como numa folha de trevo. [89] Penso tratar-se do alce brasileiro. A pele dele também tem a qualidade duma pele de alce.

A 8 do dito seguimos marchando por umas 2 léguas quando chegamos a uma altíssima roca, modelada pela natureza como o castelo mais belo que se podia admirar com os olhos. Desse lugar seguimos marchando umas 2½ léguas, onde passamos a noite.

A 9 de fevereiro seguimos marchando de Utapemba (= Itabita) a Camaragibe, que são 4 léguas.

A 10 do dito seguimos marchando de Camaragibe à Lagoa Jacaré-Mirim, onde descansamos um pouco. De noite chegamos à casa dita de Rodrigo Mollero (= Dirck Mulder), que foi a primeira casa que voltamos a ver.

A 11 do dito seguimos marchando antes da madrugada, e de noite chegamos ao Castelo de Rio Grande, que são 6 léguas. De toda esta viagem o Engenheiro Strucht fez um mapa completo e um relatório, e eu contei a seu lado todos os passos que marchamos. Achamos no nosso registro que no trajeto da nossa volta da mina de prata ao Rio Grande marchamos 96.578 passos duplos, sendo a norma para uma hora holandesa ou légua 3.000 passos de 3½ côvados. Essa mina de prata chama-se Utataparaba (= Itabiraba) pelos portugueses, e é muito rica de prata, porque supõe-se que as verdadeiras veias de prata que nela se observam foram destiladas pelo calor do sol e terrível dureza da rocha.

FIM DA VIAGEM À MINA DE PRATA DE UTATAPARABA[2]



NOTAS

5) "Doze negros para transportar nossas provisões, e dez brasilianos para nos guiar." Veja nos textos de Van Strucht & Houck: "quatro brasilianos e três escravos para carregar".

6) "De madrugada deixamos lá um soldado nosso (...)." Deste parágrafo sem data resulta que o texto de Peter Hansen não é muito fidedigno cronologicamente.

7) UTA-ta-PARABA. Por igual CAPIPO-rie-RETOUBA e CAPIBO-re-RETOUBA nos textos de Van Strucht e Houck. O infixo ta em Hansen, e rie/re em Strucht & Houck, explica-se, na minha opinião, pelo artigo definido holandês DE / HET que em holandês se intercala às vezes entre palavras compostas de um substantivo e um adjetivo para realçar a intensidade do adjetivo. ITA-BIRABA e CORREGO-RETORTO como corruptelas.


  1. "De madrugada deixamos lá um soldado nosso (...)." Deste parágrafo sem data resulta que o texto de Peter Hansen não é muito fidedigno cronologicamente.
  2. 7. UTA-ta-PARABA. Por igual CAPIPO-rie-RETOUBA e CAPIBO-re-RETOUBA nos textos de Van Strucht e Houck. O infixo ta em Hansen, e rie/re em Strucht & Houck, explica-se, na minha opinião, pelo artigo definido holandês DE / HET que em holandês se intercala às vezes entre palavras compostas de um substantivo e um adjetivo para realçar a intensidade do adjetivo. ITA-BIRABA e CORREGO-RETORTO como corruptelas.