Ações

RELATÓRIO ESCRITO PELO ENGENHEIRO PIETER VAN STRUCHT NA VIAGEM À MINA NO RIO GRANDE

De Atlas Digital da América Lusa

RELATÓRIO ESCRITO PELO ENGENHEIRO PIETER VAN STRUCHT NA VIAGEM À MINA NO RIO GRANDE

Geometria

Levy benjamin.png


Tradução para o português feita por Benjamin N. Teensma

NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, número do inventário 65, número consecutivo 197: 1-6.

[1] CÓPIA DO ROTEIRO ESCRITO PELO ENGENHEIRO PIETER VAN STRUCHT NA VIAGEM À MINA NO RIO GRANDE.

[2] Relatório da viagem à mina de prata que eu, subscrito, fiz por ordem dos Nobres e Poderosos Senhores, com o escotete Jan Houck e com Pieter Persijn, o qual recentemente entregou algum mineral dela aos ditos Nobres e Poderosos Senhores.


25 de janeiro (de 1650). Na manhã desta terça-feira saímos do Castelo Keulen com o bote pelo Rio Grande, ancorando ao fim do primeiro trajeto 1) no rio Potengi, ou seja no partido (= pontão?) de Dirck Mulder, a três léguas do Castelo, onde os iates chegam com facilidade, e onde a terra é chã; tendo na nossa companhia um sargento e doze soldados, e quatro brasilianos e três escravos para buscar e carregar o mineral, como também nossos víveres e bagagens. Saindo deste partido (= pontão?) seguimos marchando uma légua por terra pelo distrito do Potengi até à casa incendiada do já mencionado escotete, onde nos detivemos à margem do riacho Pabuna. Depois do meio dia marchamos de lá pelo monte de Jan Galdron e pela campina onde estão os cajueiros. Lá achamos o regedor Antônio Perupaba (= Paraupaba) com seu grupo de brasilianos, em Jacaré-Mirim, ou seja, nas casas anteriormente de Francisco Macedo e Domingos Lopes, a uma distância de duas léguas da já dita casa do escotete, numa planície com uma lagoa de água relativamente boa, onde dormimos embaixo de uma árvore.[1]


26 de janeiro. Uma hora antes do amanhecer continuamos a marchar. Marchamos por Potengi, passando pela casa incendiada do major Garstmans, pela de Maria Magalhães, e agora de Claes Claesz, e pelo curral de João Francisco, na margem de uma grande lagoa com água boa, onde pausamos. Depois continuamos pelo rio Potengi, que agora está sem água, e que nesse lugar se estende ao noroeste, e no segundo trajeto ao oeste ponto sul. Tendo marchado até à curva do terceiro trajeto, que se estende ao sul ponto leste, encontramos, ao norte, ou seja à mão direita, ao lado da montanha, ou do curso do rio onde o rio Camaragibe entra, a pouca distância, no rio Potengi, algumas pedras enormes e amontoadas como por mão milagrosa uma sobre as outras. Depois de continuar mais um trajeto ao sul-sudeste, Pieter Persijn nos indicou a primeira mina, da qual ele recentemente entregara algum minério, juntamente com minério da outra mina, aos Nobres e Poderosos Senhores. Acha-se, aproximadamente, a 9 léguas do Castelo Keulen na margem esquerda, ou seja a leste duma montanha, onde, pela seca, há muitas arvorinhas sem folhas, como durante o inverno na pátria. Depois de descansar um pouco, investigamos esse lugar, achando por toda a montanha pedras pequenas e também muito grandes, até rochas enormes que aparentemente encravavam-se profundamente na terra; das quais, em diversos lugares, tomamos amostras ou pedras, principalmente ao sopé da montanha [3] no rio, onde, pelo grande desaguamento do rio nos meses da chuva, o mineral se aflora como grandes pedras e rocas sem terra, na altura de 4 a 5 corpos humanos. Perto desse lugar acha-se, sempre, ano trás ano, boa água no rio Camaragibe, e, no outro lado do rio, em frente da mina, há uma franja de terra chã para cultivar; e muita lenha, mas pouca madeira de construção; mas no rio Potengi, numa distância de 3 a 4 léguas, não faltam as possibilidades de cultivar e de construir.

27 de janeiro. Na madrugada seguimos marchando ao longo do rio Potengi, ao sul-sudoeste principalmente, e raramente ao norte ponto oeste, cada trajeto com aproximadamente um quarto de légua, e umas três léguas na sua totalidade. Pausamos um pouco além dum lugar chamado Coyeté, onde abrimos um poço para apanhar água, mas esta era mui salitrosa. Depois do meio-dia seguimos andando umas duas léguas, onde passamos a noite ao sopé dum pico alto e rombo a uma légua, chamado Itabita. A água tornou-se cada vez pior. 28 de janeiro. Seguimos marchando ao longo do rio, por rumos diversos, além do mencionado pico Itabita, que deixamos à nossa mão direita; e, depois de duas léguas e meia, pausamos à beira duma poça parada no leito do rio, onde a gente se banhou num sítio montanhoso e pedregoso. Depois do meio-dia, continuamos duas léguas grandes até um lugar chamado Caicatinga (= Guiratinga? = Garça Branca), dentro do mesmo rio. Encontramos água miserável, e passamos lá a noite. 29 de janeiro. Pela manhã seguimos marchando duas léguas grandes, cortando caminho de vez em quando em linha direta sobre a borda da montanha, a qual, por toda parte, estava coberta de arvorinhas secas; onde, ao lado duma montanha alta e pedregosa de nome Apitange, encontramos no rio uma boa poça de água, chamada Tingesiade. Ainda prosseguimos por este rio Potengi aproximadamente uma légua, até o assim chamado "Kromme Rivier" (= Rio Curvado), ou Capipo-rie-Retouba (= Corrego Retorto) por outro nome, que aqui entra no Potengi; e que no momento igualmente estava sem água. Aqui paramos, ao meio-dia, no lugar onde este trecho do rio corre preponderantemente ao oés-sudoeste, e o "Kromme Rivier" ao oés-noroeste. Por ele seguimos marchando depois do meio-dia, tratando-se dum riacho muito pedregoso. Antes de sair do rio Potengi ainda subimos a montanha onde tínhamos pausado, donde vimos a duas léguas para o oeste uma montanha muito alta e rochosa. Depois de ter marchado umas duas léguas por este "Kromme Revierke" (= Riacho Curvado) - onde por todas partes encontramos pedras faiscantes e rochas como mineral, mas água muito má e fedorenta - passamos a noite num lugar a que demos por nome "Mijo de Mocó", porque a água nos buracos das rocas estava empestada das caganitas desses animais.

30 de janeiro. Na manhã deste domingo, continuamos meia légua ao longo deste Riachinho Curvado, onde Pieter Persijn nos indicou ao sopé duma montanha de pedra onde cresciam muitas arvorinhas, alguns minerais [4], dos quais disse que também deles recentemente entregara algumas amostras aos Nobres e Poderosos Senhores, junto com as de Camaragibe. Esta montanha chama-se Itabiraba. Para apanhar água devíamos cavar aqui no rio, ao sopé da montanha, um poço profundo, que resultou ser muito má e salitrosa. Como estivemos aqui entre montanhas, não podíamos ver o horizonte, nem observar as árvores na montanha. Seguimos então andando por este riacho, passando de vez em quando os leitos de outros riachos, até chegar às roças de alguns brasilianos que vivem por aqui, e cujo principal se chama JOAN ASSOUD. E a fonte da qual Persijn dissera que se encontraria ao sopé da montanha ou mina, encontra-se pelo menos duas léguas além, ao lado da aldeia e das plantações dos ditos brasilianos, sendo uma poça de água parada no rio, entre os montes Iberibetou, Outezakwas e Tabouquaba. A poça chama-se Iporé, onde por mineral achamos algumas pedras e rochas, das quais levamos uma amostra. Então voltamos à segunda mina de Persijn, onde também apanhamos e levamos algum material.

Enquanto fomos levados à dita poça por Pieter Persijn e um brasiliano Bartolomeu Lopes - marido da filha lusófona Mariana do dito JOAN ASSOUD, e cunhado de Henrique Tirara - nosso colega escopeteiro Filipe Sayaers, na ausência de Persijn, começou a interrogar dita Mariana e outra mulher que também lá estava [a respeito de Pieter Persijn], e elas disseram-nos que nunca em sua vida ele tinha visitado estas últimas minas, mas que a ela tinha mostrado algum mineral, dizendo: "trata de achar pedras como estas, porque contêm prata". Quando as tinham achado e mostrado ao dito Persijn, dizendo que queriam ir entregá-las aos Nobres e Poderosos Senhores, ele as tinha desviado com algumas palavras do intento, e pessoalmente se fora com esse material aos Nobres Poderosos. E voltando, dissera aos brasilianos: "Não presta, porque não passa de chumbo. Os Senhores não pagarão nada por isso." Que isso é aparentemente verdadeiro resulta do fato que, quando na tarde do dia 29 pausávamos na margem do "Kromme Rivier", aliás Córrego Retorto, disse o dito Persijn: "irei à frente" — coisa que nunca antes tinha feito — "para ver o sítio onde passaremos a noite", levando consigo o brasiliano Bartolomeu Lopes e um soldado que se chamava Jan Vergeson. Depois de marchar uma hora aproximadamente, chegamos a uma lagoinha chamada Mereminnewater (= Lagoa da Sereia), represada por uma "Ceutedauve" (= nl. "stuwdamme" = prtg. barragem), onde Persijn tinha deixado o soldado e continuado com um brasiliano, dizendo ao soldado: "Quando o engenheiro chegar com sua gente, deve ficar aqui; eu vou à mina, e lá não tem água [5] no caminho para beber." Ouvindo isso dissemos: "Onde ele pode ir sem água, lá nós também podemos chegar sem água." Perguntamos a Henrique Tirara se ele sabia onde estava a mina, e ele respondeu que sim. Resolvemos então continuar a marcha, de maneira que ao anoitecer chegamos à rocha do "Mijo de Mocó". Meia hora depois lá chegou Pieter Persijn com o brasiliano e um saco cheio de mineral; razão porque fiquei mui zangado, porque já no Castelo Keulen lhe dissera que não só devia ele levar-me à mina, mas ao mesmo lugar donde tinha sacado o mineral. Coisa que voltei a lembrar-lhe, pelo que irritado deitou fora o mineral, dizendo: "A merda fica lá". 3) Sim, antes disso o dito Persijn dissera que a montanha do mineral era calva, sem vegetação, com uma fonte ao sopé, indicando o lugar no mapa dele; o que igualmente prova que o jornal dele não era verdadeiro. Continuamos então a nossa marcha de regresso até 3/4 légua além do "Mijo de Mocó", onde dormimos na noite anterior.

31 de janeiro. De madrugada continuamos nosso regresso ao longo deste riacho, passando pela barragem aliás "sjeutdauwe" (= nl. "stuwdamme") da Água da Sereia, assim chamado pelos brasilianos porque segundo eles esse lugar fica assombrado. Trata-se dum sitio rochoso e pedregoso, donde igualmente tomamos um pedaço da pedra como amostra. Assim continuando, chegamos, de novo, ao rio Potengi e, aproximadamente uma légua além até Apitange ou Tingeado, onde paramos. Seguimos marchando por Caicatinga (= Guiratinga? = Garça Branca) até ao por nós chamado Acampamento de Jan Vergeson, onde descemos um monte íngreme perto duma lagoinha, e ali pausamos no meio-dia. Depois do meio-dia continuamos até ao lugar onde na ida a gente se banhara. Daqui também tomamos algumas amostras do mineral. Passamos a noite meia légua acima ou a oeste da rocha chamada Itabita. Neste dia, e também no anterior, tínhamos marchado muito.

1 de fevereiro. Na manhã cedo voltamos a marchar, passando por Itabita. Pelo meio-dia, pausamos no leito do rio na altura de Coyeté, e depois prosseguimos à tarde ao lugar da mina de Camaragibe, onde passamos a noite. Neste dia, e no seguinte, muito marchamos.

2 de fevereiro. Na madrugada, reunimos o material que lá tínhamos colhido, [6] e seguimos marchando além do rio Camaragibe, onde de novo deixamos o rio Potengi, e continuamos até além do curral de João Francisco, as casas de Claes Claesz e do major Garstmans, e até Jacaré-Mirim, onde pausamos no meio-dia. Então seguimos marchando até à casa de Dirk Mulder, onde passamos a noite sob uma árvore, a três léguas do Forte Keulen.

3 de fevereiro. De noite, a uma hora, seguimos marchando, chegando cedo na madrugada Castelo Keulen. E assim, graças a Deus, terminamos com saúde a nossa viagem.

Foi assinado: P. van Strucht.



NOTAS

1. Trajeto, também algumas vezes no texto de Jan Houck, é tradução da palavra holandesa rak = segmento direito dum rio entre duas curvas.

2. Em janeiro estão maduros os cajus. Os habitantes das aldeias indígenas desceram então aos cajueiros a aproveitar-se dessas frutas. Viveram então em acampamentos temporários.

3. "A merda fica lá." Tradução aproximativa da obscenidade "Daer leght den dreck, seght Uilenspiegel", que significa algo como "Podeis limpar-me o cu".


  1. Em janeiro estão maduros os cajus. Os habitantes das aldeias indígenas desceram então aos cajueiros a aproveitar-se dessas frutas. Viveram então em acampamentos temporários.