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Aldeias e aldeamentos no século XVI

De Atlas Digital da América Lusa

por André Soares ANZOLIN


Os Tupi da costa brasílica eram nômades e definiam seus locais de ocupação com base em ecossistemas específicos. Na costa, preferiam áreas de mata tropical e subtropical e, no interior, suas ocupações concentravam-se nas margens dos rios.[1]. As aldeias (tabas) eram formadas por conjuntos de casas comuniais (malocas), que costumavam abrigar grandes parentelas. Estas habitações, geralmente circundadas por paliçadas (caiçara), eram dispostas de modo a criar um terreiro central, espaço cerimonial e de socialização entre as diferentes famílias [2] Com a chegada dos europeus, em especial, dos religiosas da Companhia de Jesus (1549), novas formas de ocupação foram criadas, todas elas, contudo, foram designadas pelo termo aldeia nas fontes quinhentistas. Os jesuítas, com o intuito de catequizar e sedentarizar os diferentes grupos nativos, incentivaram a criação de ermidas em aldeias que mantinham relações amistosas com os portugueses. Esta iniciativa, contudo, trouxe resultados pouco expressivos, uma vez que a escassez de missionários, somadas à dispersão e ao grande número de aldeias, prejudicava os intentos de instaurar uma pedagogia cristã entre os índios. A solução encontrada pelo inacianos – em conjunto com os governadores gerais- foi a criação, em 1558, dos Estatuto das aldeias. Esta nova política previa a união de distintos grupos indígenas em sítios definidos pelas autoridades coloniais, buscando, com isso, otimizar o projeto catequético entre os índios. Estes espaços, que seguiam o modelo das tabas indígenas, eram administrados pelos padres da Companhia de Jesus e receberam, além de Igrejas, troncos e pelourinhos com vistas a reprimir os delitos leves cometidos no interior destas povoações. A tarefa de executar as punições ficava ao encargo dos meirinhos, escolhidos, em geral, entre os chefes locais. Em virtude destas diferenças, muitos pesquisadores - seguindo uma tradição historiográfica que remonta ao século XIX [3]- optam por utilizar o termo aldeamento para referir-se às ocupações que mantinham relações com a missão jesuítica. Nesta perspectiva, estes autores resguardam o uso do vocábulo aldeia para referir-se às povoações exclusivamente indígenas.

Com efeito, podem-se distinguir, nas fontes do Brasil quinhentista, pelo menos três formas de ocupação descritas pelo termo "aldeia":

1-Tabas. Aldeias Tupi “tradicionais”: Ex: “E comtudo, como pola fama que delle havia pola terra, nunca chegasse tão longe quão longe era desejado, lhe foi finalmente passar dâquelles aos seus contrários, com quem até li se comeram e é 10 léguas além de Santo André, onde por ser fronteira está a mais afamada aldeia de grande que ha nesta costa, cujo principal se chama Aracaen, mui estimado e de grandíssima fama, mas por ser mui velho, que dizem será de 120 annos e não ser já pera mandar nem fazer nada, tem um sobrinho que pôde ser de sessenta, que manda a aldeia e chama-se Capij(...)”.[4]

2- Aldeias nas quais foram construídas pequenas ermidas, que eram visitadas regularmente pelos padres. Com o tempo, algumas delas tornaram-se local de residência fixa dos jesuítas. Ex: “As aldêas que então o Irmão visitava eram três: uma de um principal chamado Simão, que tanto que a esta terra chegaram os Padres fizeram christão; a outra chamava-se Tamandaré, que agora puzeram nome S. Lourenço; a outra era a do rio Vermelho. [5]

3- Aldeias (ou aldeamentos) construídas em sítios definidos pelas autoridades coloniais. Congregavam índios de povoações distintas, e contavam com a presença fixa de missionários. Ex: Neste tempo se fundou uma egreja, uma légua desta cidade, onde se ajuntaram quatro aldeias das que estavam mais perto da cidade, que já dantes doutrinávamos, que foi o primeiro ajuntamento que se começou a fazer e tem por nome a villa de S. Paulo, que mostra bem Nosso Senhor querer já abrir a porta que tanto tempo ha tem cerrada, porque além do Gentio estar mui sujeito e atemorisado, deixam também com isto de commetter alguns pecados que dantes antre elles eram mui usados. No fazer desta egreja e casas em que os Padres mestres da nova christandade se recolhem, que quasi se quer egualar com o collegio da cidade, mostrou Nosso Senhor quão servido é de seu nome se manifestar nestas partes, porque fazendo-se em inverno, em o qual chove muito nesta terra, se fez em obra de quatro mezes. Nessa egreja se disse a primeira missa dia de S. Pedro e S. Paulo, com a maior solemnidade que se poude (...).[6]


Referências

  1. FAUSTO, Carlos. 2000. Os Índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. p.69.
  2. FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambá. Brasília: Hucitec, 1989. p. 61.
  3. ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 119
  4. AZPILCUETA NAVARRO, João de; e Outros. Cartas avulsas, 1550-1568. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP, 1988. Carta XLVIII, p. 375.
  5. AZPILCUETA NAVARRO, João de; e Outros. Cartas avulsas, 1550-1568. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP, 1988. Carta XXII, P.196.
  6. AZPILCUETA NAVARRO, João de; e Outros. Cartas avulsas, 1550-1568. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP, 1988. Carta XXV, p.226.



Citação deste verbete
Autor do verbete: André Soares ANZOLIN
Como citar: ANZOLIN, André Soares. "Aldeias e aldeamentos no século XVI". In: BiblioAtlas - Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: http://lhs.unb.br/atlas/Aldeias_e_aldeamentos_no_s%C3%A9culo_XVI. Data de acesso: 28 de março de 2024.



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