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Henriville

De Atlas Digital da América Lusa

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Henriville

Geometria Ponto

Histórico

Denominação Início Término
Henriville
Conquista e Guerra > Área de disputa entre franceses e portugueses
Populacao > Indício de presença
por volta de 1556 1560
por Rodrigo Ramos Lopes de OLIVEIRA


O projeto da França Antártica, empreendido pelo Almirante Nicolas Durand de Villegagnon, resultou na construção de estruturas como ponta de lança para uma possível ocupação colonial da América [1]. Após uma viagem reconhecimento a Cabo Frio, o francês implantou,em 1555, um forte na ilha atualmente conhecida como Villegagnon, no interior da Baía da Guanabara, o Forte Coligny. O projeto da França Antártica contou com a imigração de 12 pastores Calvinistas. Villegagnon, apesar de Católico, pertencente à Ordem de Malta, os recebeu com relativa cordialidade.


Além do forte, Villegagnon determinou a construção, em 1556, de outro estabelecimento francês, localizado no continente, junto a foz do rio da Carioca, no que seria o atual cruzamento (após uma série de aterros posteriores) das Ruas Barão do Flamengo e Praia do Flamengo [2]. A localização era bastante estratégica, uma vez que não havia fontes de água potável na ilha, e uma posição no continente poderia ser um ponto de fornecimento de recursos para o forte Coligny. Essa primeira aglomeração foi denominada Henriville.


No entanto, a própria existência deste estabelecimento mostrou-se controversa, e as razões para tal provêm do conflito religioso que se instalou na França Antártica, que teve como uma de suas conseqüências tentativas de desconstrução da imagem de Villegagnon pelos protestantes. Jean Léry, em seu livro “L'Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil”, é um exemplo dessa tentativa de desconstrução da imagem de Villegagnon, negando a existência da aglomeração de Henriville e assim, empreendendo uma tentativa de minorar a empresa do Amirante. Importante salientar que essa obra foi escrita cerca de duas décadas após a expulsão dos franceses e foi redigida em um período de tensões religiosas entre Católicos e Protestantes, na qual Léry sofreu perseguições [3], inclusive tendo de refugiar-se durante o massacre da noite de São Bartolomeu [4]. Desse modo, faz-se necessário analisar criticamente o documento, a negação da existência de Heriville poderia ser pensada como parte desta estratégia, além de a obra de Léry ter sido escrita décadas depois da expulsão dos franceses da Guanabara.


A partir do mapa de André Thévet é possível localizar um estabelecimento junto à foz do rio Carioca, denominado Ville [5] Henry. Além disso, uma carta do próprio Villegagnon,de 1557 ao conde de Guise relata o estabelecimento de estruturas e habitantes franceses no continente: um fortim de madeira com cerca de 60 homens, que, inclusive, praticavam a agricultura [6]. A partir de vestígios como esses, o Historiador Vasco Maiz defende a tese de uma dupla fundação da cidade do Rio de Janeiro, a primeira sendo destruída pelos portugueses (e, portanto, sendo classificada como um evento de curta duração[7]) e a segunda, a cidade fundada por Estácio de Sá, continuada. Para Maiz, Henriville teria sido a primeira aglomeração urbana européia no recôncavo da Guanabara.


Henriville, segundo a carta de Villegagnon ao duque de guise, representaria um projeto de tomada colonial e territorial para a França. Knauss conclui que o próprio nome da aglomeração, em homenagem ao rei francês Henry II, representa um projeto de ocupação efetiva na América. A mão de obra escrava indígena seria a alternativa econômica para a consolidação da ocupação.[8] Vasco Mariz, afirma que Henriville recebeu Calvinistas e que Villegagnon buscou um discurso religioso nebuloso a fim de evitar conflitos maiores com os mesmos. O Almirante acreditava ser possível conciliar as duas religiões em uma convivência mais harmoniosa que aquela observada na Europa, o ambiente Americano seria propício a uma religião mais ligada a natureza e livre das contendas teóricas profundas.


No entanto, em pouco tempo, as contendas relativas à presença figurada ou real do corpo e do sangue de Cristo na Eucaristia levaram a divergência entre Protestantes e Católicos[9]. Os primeiros defendendo a figurada e os Católicos argumentando firmemente a presença efetiva. A partir da contenda entre os religiosos protestantes e o Almirante, a França Antártica se divide. Segundo Vasco Mariz, os Calvinistas tentam retornam à França, em condições deploráveis, sendo que três deles ficam impossibilitados de voltar e acabam sendo condenados à morte pelos franceses de Villegagnon[10]. Com as guerras religiosas em plena efervescência na Europa, a transformação desses três calvinistas em mártires era bastante interessante para os escritores protestantes, bem como contribuiria para a difamação de Villegagnon. Exemplo dessa utilização pode ser encontrada nos escritos do suíço Jean Crespin, que escrevendo quarenta anos depois do ocorrido e a partir do cantão suíço de Genebra[11], busca um discurso de afirmação da autonomia genebrina e um anti-galicismo entrecruzado com uma identidade protestante. Portanto, para Vasco Mariz, o discurso posterior escrito pelos protestantes tenta apresentar uma iniquidade e intolerância de Villegagnon, destacando a condenação dos Calvinistas, associada a uma suposta incompetência do mesmo, negando a própria existência de Henriville.


Paulo Knauss, apesar de divergir em relação a alguns pontos específicos, apresentados por Mariz, do desenrolar dos fatos ocorridos na França Antártica e ter uma crítica menos ácida aos protestantes ( Vasco Mariz, em seu artigo, reconhece-se como Católico e realça que isso pode enviesá-lo a tomar partido de um dos lados, embora afirme buscar evitar que isso ocorra.) converge em afirmar que a inexistência de Henriville relatada por Jean Léry é uma mentira. Defende veementemente a efetiva existência da aglomeração francesa no continente. Ele ressalta que, possivelmente, o tamanho de Henriville, conforme o relatado na carta de Villegagnon ao duque de Guise seja exagerado, porém, baseado em duas fontes ( a carta do Almirante e o mapa de Thévet), considerando o contexto de conflito religioso e das intenções dos protestantes que negam a existência de Henriville, historiadores como Paulo Knauss e o diplomata Vasco Mariz são categóricos em confirmar Henriville como a primeira aglomeração europeia na região da Guanabara, embasando, inclusive, uma ideia de dupla fundação do Rio de Janeiro, semelhante ao processo de Buenos Aires[12].


Referências

  1. MARIZ,V. “Villegagnon: Herói Ou Vilão?”.
  2. KNAUSS,P. “No Rascunho Do Novo Mundo: Os Espaços e Os Personagens Da França Antártica.”
  3. TAVARES. “Da Guanabara Ao Sena, Relatos e Cartas Sobre a França Antártica Nas Guerras De Religião.”
  4. Massacre de Protestantes promovidas por Católicos, com apoio da Casa Real Francesa, na cidade de Paris em 1572.
  5. “Cidade”, em tradução livre do francês para o português.
  6. KNAUSS,P. “No Rascunho Do Novo Mundo: Os Espaços e Os Personagens Da França Antártica.”
  7. Ibid.
  8. Ibid.
  9. MARIZ,V.“Villegagnon: Herói Ou Vilão?”.
  10. Ibid.
  11. Local de origem do Calvinismo.
  12. Buenos Aires foi fundada pela primeira vez pelos espanhóis em 1536, sendo atacada pelos indígenas, abandonada, simplesmente desaparecendo. Seria posteriormente refundada em 1580, também pelos espanhóis.



Citação deste verbete
Autor do verbete: Rodrigo Ramos Lopes de OLIVEIRA
Como citar: OLIVEIRA, Rodrigo Ramos Lopes de. "Henriville". In: BiblioAtlas - Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: http://lhs.unb.br/atlas/Henriville. Data de acesso: 28 de março de 2024.



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