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Livro 1 - Do descobrimento do Brasil - Capítulo 4 - Do clima e temperamento do Brasil

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 1 - Do descobrimento do Brasil - Capítulo 4 - Do clima e temperamento do Brasil

Geometria

Opinião foi de Aristóteles, e de outros filósofos antigos de que a zona tórrida era inabitável, porque como o sol passa por ela cada ano duas vezes para os trópicos, parecia-lhes, que com tanto calor não poderia alguém viver, e confirmavam sua opinião, porque o sol aquenta com os seus raios uniformiter diformiter, mais ao perto que ao longe, e por essa causa no inverno aquenta pouco, porque anda distante, sed sic est, que na zona temperada onde nunca entra, só pelo acesso que faz no verão enfermam, e morrem os homens de calor, logo a fortiori em a zona tórrida donde nunca sai, há de ser mortífero. Porém a experiência tem já mostrado, que a zona tórrida é habitável, e que em algumas partes dela vivem os homens com mais saúde, que em toda a zona temperada, principalmente no Brasil, onde nunca há peste, nem outras enfermidades comuns, senão bexigas de tempos em tempos, de que adoecem os negros, e os naturais da terra, e isto só uma vez, sem a segundar em os que já as tiveram, e se alguns adoecem de enfermidades particulares, é mais por suas desordens, que por malícia da terra. A razão disto é porque ainda que a terra do Brasil seja cálida por estar a maior dela na zona tórrida, contudo é juntamente muito úmida, como se prova do orvalhar tanto de noite, que nem depois de sair o sol a quatro horas se enxugam as ervas; e se alguém dorme ao sereno, se levanta pela manhã tão molhado dele como se lhe houvera chovido. Daqui vem também não poder o sal e o açúcar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem umedecer-se, e o ferro e aço de uma espada ou navalha, por mais limpos, e sacalado que sejam, se enche logo de ferrugem, e esta umidade é causa de que o calor desta terra se tempere, e faz este clima de boa complexão, outra é pelos ventos leste e nordeste, que ventam do mar todo o verão do meio-dia pouco mais ou menos, até a meia-noite, e lavam e refrescam toda a terra. A última causa é pela igualdade dos dias e das noites, porque (como dizem os filósofos) a extensão faz intenção; donde se um pusesse ou tivesse a mão devagar sobre um fogo fraco de estopas ou de palhas se queimaria mais, que se depressa a passasse por um fogo forte, e por isto em Portugal, posto que o calor é mais remisso se sente mais, porque dura mais, e são maiores os dias no verão, que as noites, mas no Brasil, ainda que mais intenso, dura menos, e não aquenta tanto que o frio da noite o não atalhe, que não chegue de um dia a outro. Donde se responde ao argumento de Aristóteles de que o sol aquenta mais na zona tórrida, que na temperada, intensiva, mas não extensiva, e que esta intenção de calor se modera com os ventos frescos do mar, e umidade da terra, junto com a frescura do arvoredo, de que toda está coberta; de tal sorte que os que a habitam vivem nela alegremente. O em que se verifica a opinião dos filósofos é nas coisas mortas, porque estando nas outras terras a carne três ou quatro dias sã, e incorrupta, e da mesma maneira o pescado, nesta não está 24 horas, que se não dane e corrompa.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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