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Livro 2 - DA HISTÓRIA DO BRASIL NO TEMPO DO SEU DESCOBRIMENTO - Capítulo 3 - Da terra e capitania que el-rei doou a Pero Lopes

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 2 - DA HISTÓRIA DO BRASIL NO TEMPO DO SEU DESCOBRIMENTO - Capítulo 3 - Da terra e capitania que el-rei doou a Pero Lopes

Geometria

Em companhia de Pero Lopes de Souza andou por esta costa do Brasil Pedro de Góes, fidalgo honrado, muito cavaleiro, e pela afeição que tomou à terra pediu a el-rei d. João que lhe desse nela uma capitania, e assim lhe fez mercê de cinqüenta léguas de terra ao longo da costa, ou as que se achassem donde acabassem as de Martim Afonso de Souza, até que entestasse com as de Vasco Fernandes Coutinho: da qual capitania foi tomar posse com uma boa frota, que fez em Portugal à sua custa, bem fornecida de gente e todo o necessário, e no rio chamado da Paraíba, que está em 21º e dois terços, se fortificou e fez uma povoação, em que esteve bem os primeiros dois anos, e depois se lhe levantou o gentio, e o teve em guerra cinco ou seis anos, fazendo às vezes pazes, que logo quebravam, e o apertavam tanto, que forçado a despejar a terra e passar-se com toda a gente para a capitania do Espírito Santo, em embarcações, que para isso lhe mandou Vasco Fernandes Coutinho, donde ficou com toda a sua fazenda gastada, e muitos mil cruzados de um Martim Ferreira, que com ele armava para fazerem muitos engenhos de açúcar. No distrito desta terra e capitania cai a terra dos Aitacazes, que é toda baixa e alagada, onde estes gentios vivem mais à maneira de homens marinhos que terrestres; e assim nunca se puderam conquistar, posto que a isso foram algumas vezes ao Espírito Santo e Rio de Janeiro; por que quando se há de vir às mãos com eles, metem-se dentro das lagoas, onde não há entrá-los a pé nem a cavalo, são grandes búzios e nadadores, e a braços tomam o peixe ainda que sejam tubarões, para os quais levam em uma mão um pau de palmo pouco mais, ou menos, que lhes metem na boca direito, e como o tubarão fique com a boca aberta, que a não pode serrar com o pau, com a outra mão lhe tiram por ela as entranhas, e com elas a vida, e o levam para a terra não tanto para os comerem, como para dos dentes fazerem as pontas das suas flechas, que são peçonhentas e mortíferas, e para provarem forças e ligeireza, como também dizem que as provam com os veados nas campinas, tomando-os a cosso, e ainda com os tigres e onças, e outros feros animais. Estas e outras incredíveis coisas se contam deste gentio, creia-as quem quiser, que o que daqui eu sei é, que nunca foi alguém a seu poder, que tornasse com vida para as contar; verdade é que já hoje há deles mais notícia, porque lhes deu uma cruel doença de bexigas, que os obrigou a nos irem buscar, e ser nossos amigos, como veremos no livro quinto desta história.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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