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Livro 3 - DA HISTÓRIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU TOMÉ DE SOUZA ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Manuel Teles Barreto - Capítulo 1 - De como el-rei mandou outra vez povoar a Bahia por Tomé de Souza, governador geral da Bahia

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Depois que el-rei soube da morte de Francisco Pereira Coutinho, e da fertilidade da terra da Bahia, bons ares, boas águas, e outras qualidades que tinha para ser povoada; e juntamente estar no meio das outras capitanias, determinou povoá-la e fazer nela uma cidade, que fosse como coração no meio do corpo, donde todas se socorressem, e fossem governadas. Para o que mandou fazer uma grande armada, provida de todo o necessário para a empresa, e por capitão-mor Tomé de Souza, do seu conselho, com título de governador de todo o estado do Brasil, dando-lhe grande alçada de poderes, e regimento, em que quebrou os que tinha concedido a todos os outros capitães proprietários, por no cível e crime lhes ter dado demasiada alçada, como vimos no capítulo segundo do livro segundo; mandando que no crime nenhuma tenham, sem que dêem apelação para o ouvidor-geral deste estado, e no cível 20 mil-réis somente; e que o dito ouvidor-geral possa entrar por suas terras por correção, e ouvir nelas de auções novas e velhas, o que não faziam dantes, e para isto lhe deu por ajudadores o doutor Pero Borges, corregedor que fora de Elvas, para servir de ouvidor-geral; Antônio Cardoso de Barros para provedor-mor da Fazenda, e Diogo Moniz Barreto para alcaide-mor da cidade que edificasse; com os quais, e com alguns criados del-rei, que vinham providos em outros cargos, e seis padres da companhia para doutrinar, e converter o gentio, e outros sacerdotes, e seculares, partiu de Lisboa a 2 de fevereiro de 1549, trazendo mais alguns homens casados, e mil de peleja, em que entravam quatrocentos degradados. Com toda esta gente chegou à Bahia a 20 de março do mesmo ano, e desembarcou na Vila Velha, que Francisco Pereira deixou edificada logo à entrada da barra, onde achou a Diogo Álvares Caramuru, de quem disse no sétimo capítulo do livro segundo, que foi livre da morte pela filha de um índio principal, que dele se namorou, a qual embarcando-se ele depois, fugido em um navio francês, que aqui veio carregar de pau, e indo já o navio à vela, se foi a nado embarcar com ele, e chegando à França, batizando-se ela, e chamando-se Luiza Alvares, se casaram ambos, e depois os tornaram a trazer os franceses no mesmo navio, prometendo-lhes ele de lho fazer carregar por seus cunhados. Porém chegando à Bahia, e ancorando no rio de Paraguaçu, junto à ilha dos franceses, lhes mandou uma noite cortar a amarra, com que deram à costa, e despojados de quanto traziam, foram todos mortos, e comidos do gentio, dizendo-lhes Luiza Alvares, sua parenta, que aqueles eram inimigos, e só seu marido era amigo, e como tal tornava a buscá-los, e queria viver entre eles, como de feito viveu até a vinda de Tomé de Souza, e depois muitos anos, e a ela alcancei eu, morto já o marido, viúva mui honrada, amiga de fazer esmolas aos pobres, e outras obras de piedade. E assim fez junto a Vila Velha em um aprazível sítio uma ermida de Nossa Senhora da Graça, e impetrou do Sumo Pontífice indulgências para os romeiros, dos quais é mui freqüentada. Esta capela ou administração dela doou aos padres de São Bento, que ali vão todos os sábados cantar uma missa. Morreu muito velha, e viu em sua vida todas suas filhas, e algumas netas casadas com os principais portugueses da terra, e bem o mereciam também por parte de seu progenitor Diogo Álvares Caramuru, por cujo respeito fiz esta digressão; pois este foi o que conservou a posse da terra tantos anos, e por seu meio fez o governador Tomé de Souza pazes com o gentio, e os fez servir aos brancos, e assim edificou, povoou e fortificou a cidade, que chamou do Salvador, onde ela hoje está, que é meia légua da barra para dentro, por ser aqui o porto mais quieto, e abrigado para os navios: onde ouvi dizer a homens do seu tempo / que ainda alcancei alguns / que ele era o primeiro que lançava mão do pilão para os taipais, e ajudava a levar a seus ombros os caibros, e madeiras para as casas, mostrando-se a todos companheiro, e afável / parte mui necessária nos que governam novas povoações /; com isto folgavam todos de trabalhar, e exercitar cada um as habilidades que tinha, dando-se uns à agricultura, outros a criar gado, e a toda a mecânica, ainda que a não tivessem aprendida, com o que foi a terra em grande crescimento, e muito mais com a ajuda de custa, que el-rei fazia com tanta liberalidade, que se afirma no triênio deste governador gastar de sua real fazenda mais de 300 mil cruzados em soldos, ordenados de ministros, edifícios da Sé, e casa dos padres da Companhia, ornamentos, sinos, artilharia, gados, roupas, e outras coisas necessárias, o que fazia não tanto pelo interesse, que esperava de seus direitos, e dos dízimos, de que o Sumo Pontífice lhe fez concessão com obrigação de prover as igrejas, e seus ministros, quanto pelo gosto, que tinha de aumentar este estado, e fazer dele um grande império, como ele dizia. Nem se deixou então de praticar, que se alguma hora acontecesse / o que Deus não permita / ser Portugal entrado, e possuído de inimigos estrangeiros, como há acontecido em outros reinos, de sorte que fosse forçado passar-se el-rei com seus portugueses a outra terra, a nenhuma o podia melhor fazer, que a esta: porque passar-se às ilhas / como diziam, e fez o senhor d. Antônio, pretendente do reino, no ano do Senhor de 1580 /, além de serem mui pequenas, estão tão perto de Portugal que lhe iriam os inimigos no alcance, e antes de se poderem reparar dariam sobre eles. A Índia, ainda que é grande, é tão longe, e a navegação tão perigosa, que era perder a esperança de poder tornar, e recuperar o reino. Porém o Brasil, com ser grande fica em tal distância, e tão fácil a navegação, que com muita facilidade pode cá vir e tornar quando quiserem, ou ficar-se de morada, pois a gente que cabe em menos 100 léguas de terra, que tem todo Portugal, bem caberá em mais de mil, que tem o Brasil, e seria este um grande reino, tendo gente, porque donde há as abelhas há o mel, e mais quando não só das flores, mas das ervas e canas se colhe mel e açúcar, que de outros reinos estranhos viriam cá buscar com a mesma facilidade a troco das suas mercadorias, que ca não há; e da mesma maneira as drogas da Índia, que daqui fica mais vizinha, e a viagem mais breve e fácil, pois a Portugal não vão buscar outras coisas senão estas, que pão, panos, e outras coisas semelhantes não lhe faltam em suas terras; mas toda esta reputação e estima do Brasil se acabou com el-rei d. João, que o estimava e reputava.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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