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Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 12 - De como da baía da Traição foram ao Tujucupapo, e tornaram para Pernambuco

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 12 - De como da baía da Traição foram ao Tujucupapo, e tornaram para Pernambuco

Geometria

Ao terceiro dia, carregados os índios de despojos, e alguns mantimentos, partiram da baía da Traição, indo sempre ao longo da costa com o língua dos índios cativos, em busca do Tujucupapo o mor, principal dos Potiguares, por ser muito grande feiticeiro, e indo ao quarto dia depois da partida bem descuidados, parecendo-lhes que já não o achariam o inimigo, gritaram da vanguarda — Potiguares! Potiguares!, e não se espantem falar desta maneira sendo tão poucos, porque como as guerras destas partes são nos matos, sempre vão enfiados por o ruim caminho atrás dos outros, e assim, ainda que poucos, como não podem ir em fileira nem ordem de guerra, ocupam muita terra ao comprido; por esta causa à grita da vanguarda se concertou cada um em seu lugar, e começaram a marchar depressa, mas por neste tempo vir um soldado espanhol dizer a Martim Leitão acudisse, que recuava a vanguarda, e havia feridos, em calças e em gibão, como ia, tomou uma remissão a João Nunes, e uma rodela a um índio, e encomendando a gente a Gregório Lopes de Abreu, e a Antônio de Barros Rego, pôs as pernas ao cavalo, e atravessando o mato, que era baixo, chegou a tempo que rebentavam do bosque três esquadrões de gente inimiga, e se tornaram a recolher em ondas ou remetidos, que este é o seu pelejar; e o nosso gentio vendo tantos inimigos, quase que ficou assombrado, e à pressa em corpo se andavam cercando de rama para todos se recolherem em qualquer fortuna; mas chegando assim o ouvidor-geral, os começou a afrontar de palavras, dizendo­lhe se determinavam fazer ali casas para viver, e depois morrer como ovelhas, e que as suas casas haviam de ser as dos inimigos, e assim gritando rijo a eles passou avante, mandando João Tavares por outra parte, e com isso pelejava com homens, mas aqui com os elementos, que é mais. Passados assim da banda dalém, que senão duas horas antemanhã, feito algum fogo, em que brevemente enxugaram os arcabuzes, fez logo o ouvidor-geral tomar a praia, que como até então não fosse sabida, e sobre tantos trabalhos, pareceu a todos tão comprida como trabalhosa. Mas indo ele com Duarte Gomes, e Antônio Lopes de Oliveira, com três negros da terra descobrindo diante todos, foram até em amanhecendo, apartados os de cavalo com alguns arcabuzeiros, para darem da parte do norte, e os mais com o nosso gentio, do sul, remeteram ao forte que ali tinham os inimigos, o que fizeram com grande grita, e mataram até vinte índios, tomaram vivo o seu principal, outros se deitaram ao mar por lhe terem a terra tomada, e se acolheram à nau dos franceses, que todos estavam recolhidos com sua artilharia do dia de antes, pelo aviso que lhes deu um índio, que fugiu a Duarte Gomes; e porque com a claridade da manhã começou a varejar a praia, onde os nossos estavam com a artilharia, vararam todos a aldeia, e povoação, que estava acima, a qual acharam toda despejada, mas com muitas farinhas feitas, e favas, que foi grande recreação, junto com os cajus do mato, fruta que já começava, e para lhe destruírem todos os mantimentos, e assolarem aquela estalagem aos franceses, assentaram estar ali três dias, e logo à tarde foram arrancar a mandioca; de noite mandou o ouvidor-geral lançar ao mar três ferrarias, que ali havia de franceses, que foi coisa de importância tirá-las aos inimigos, que com elas os cevavam os franceses, reparando-lhe estes três ferreiros, que ali já eram moradores, suas ferramentas. Acharam-se aqui mais de sessenta caldeiras grandes, e pequenas, fato, e muita ferramenta, de que se o nosso gentio carregou. Ao outro dia mandou o ouvidor-geral 24 arcabuzeiros na baixa-mar dar-lhe uma surriada com três ou quatro cargas, e ainda que lhes não fez dano, todavia temendo que o viriam a receber, ou que viessem algumas embarcações da Paraíba, levaram âncora, e se foram, esbombardeando para o ar, levar estas novas à França, ficando os inimigos diante de si, deitando-os de fora de mil labirintos, que ali tinham feito e ordenado, e por extremo fortificados, ficando todavia as suas estâncias, e meadas de muitos corpos mortos, e mais foram se não houvera a detença dos nossos no abrir dos caminhos para todos passarem, e assim tiveram os inimigos alguma guarida com o ruim caminho, e grande alagadiço / que sempre eles costumam tomar por reparo/, onde houve muitas graças de muitos atolarem mais do que quiseram, não querendo seguir o ouvidor-geral seu capitão, que ainda que o cavalo caiu com ele, o levou pela rédea, e saindo fora muito gentil-homem, e enlodado saltou em cima dele mui desenvolto, e seguiu os inimigos por um caminho com outros dois de cavalo, e alguns índios, que sempre foram derribando neles, e o mesmo aconteceu por onde foi o capitão João Tavares, e houveram de ser infinitos os mortos, se o nosso gentio ousara segui­los; mas vendo tantos, e eles tão poucos, o fizeram pesadamente, e só à sombra dos brancos; e com isto se recolheram depois das três da tarde à grande aldeia, que estava perto do alagadiço, onde descansaram o que ficava do dia; dando muitas graças a Deus por esta grande vitória, porque se afirmou haver ali mais de 20 mil portugueses apercebidos de dia do seu feiticeiro, que por desastre se acolheu em um cavalo, que lá tinha de brancos havia muitos anos, curados os feridos, que houve alguns, e nenhum morto, para a vitória ficar com dobrado gosto, ali estiveram até ao outro dia, e por serem 12 léguas aquém do Rio Grande, donde tiveram novas ser já passado todo o gentio inimigo da outra banda ,que como senhores de mais de quatrocentas léguas desta costa não era possível esgotá-los, se tornaram ao forte, donde foram recebidos com muitas festas, e continuou o ouvidor­geral as obras em que Cristóvão Lins com oficiais havia bem trabalhado, e de todo acabou o forte, torres, e casas de armazéns com seus sobrados para morada do capitão e almoxarife, e feitos também alguns reparos para a maior parte da artilharia, e ficando-se acabando os mais, tomou a homenagem ao capitão João Tavares, e o deixou com trinta e cinco homens de peleja, providos para quatro meses, e feito isto se tornaram para Pernambuco no fim de janeiro de mil quinhentos oitenta e seis, que foi assaz breve tempo para tantas coisas, e obras; mas tudo nos homens honrados o desejo da honra faz possível.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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