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Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 40

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 40

Geometria

Depois de estar o governador Diogo Botelho um ano ou mais em Pernambuco, se veio paraesta Bahia, e com a sua chegada se partiu Álvaro de Carvalho para o reino. Estão as casas de el-rei, em que os governadores moram, defronte da praça, no meio da qual estava o pelourinho, donde o governador o mandou logo tirar para o passar a outra parte onde o não visse, porque dizia que se entristecia com a sua vista, lembrando-se que estivera já ao pé de outro para ser degolado por seguir as partes do senhor d. Antônio, culpa que Sua Majestade lhe perdoou por casar com uma irmã de Pedro Álvares Pereira, que era secretário na Corte; e não só ele, que tinha este ódio ao pelourinho, mas nenhum de seus sucessores o levantou mais, nem o há nesta cidade, sendo assim que me lembra haver lido um terremoto, e tormenta de fogo que houve em Baçaim, que não ficou templo nem casa, que não caísse, senão o pelourinho, e no capítulo dos frades a parede em que estavam as varas com que açoutam, para mostrar que primeiro devem faltar os povos e cidades, que o castigo das culpas. Á sua chegada estavam já de partida o Zorobabe com os seus Potiguares para a Bahia, donde haviam vindo à guerra dos Aimorés, como dissemos no capítulo trinta e três deste livro, e informado o governador de um mocambo ou magote de negros de Guiné fugidos, que estavam nos palmares do rio Itapucuru, quatro léguas do rio Real para cá, mandou-lhes que fossem de caminho dar neles, e os apanhassem às mãos, como fizeram, que não foi pequeno bem tirar dali aquela ladroeira, e colheita, que ia em grande crescimento; mas poucos tornaram a seus donos, porque os gentios mataram muitos, e o Zorobabe levou alguns, que foi vendendo pelo caminho para comprar uma bandeira de campo, tambor, cavalo, e vestidos, com que entrasse triunfante na sua terra, como diremos em outro capítulo, que agora neste será tratarmos de como se começou nesta Bahia a pescaria das baleias. Era grande a falta que em todo o estado do Brasil havia de graxa ou azeite de peixe, assim para reboque dos barcos e navios, como para se alumiarem os engenhos, que trabalham toda a noite, e se houveram de alumiar-se com azeite doce, conforme o que se gasta, e os negros lhe são muito afeiçoados, não bastara todo o azeite do mundo. Algum vinha do cabo vender, e de Biscaia por via de Viana, mas era tão caro, e tão pouco, que muitas vezes era necessário usarem do azeite doce, misturando-lhe destoutro amargoso, e fedorento, para que os negros não lambessem os candeeiros, e era uma pena como a de Tântalo padecer esta falta, vendo andar as baleias, que são a mesma graxa, por toda esta Bahia, sem haver quem as pescasse, ao que acudiu Deus, que tudo rege, e prova, movendo a vontade a um Pedro de Orecha, Biscainho, que quisesse vir fazer esta pescaria; este veio com o governador Diogo Botelho do reino no ano de mil seiscentos e três, trazendo duas naus a seu cargo de Biscainhos, com os quais começou a pescar, e ensinados os portugueses, se tornou com dias carregadas, sem da pescaria pagar direito algum, mas já hoje se paga, e se arrenda cada ano por parte de Sua Majestade a uma só pessoa, por 600 mil-réis pouco mais ou menos, para lustro de ministros: e porque o modo desta pescaria é para ver mais que as justas todas e torneios, a quero aqui descrever por extenso. No mês de junho entra nesta Bahia grande multidão de baleias, nela parem, e cada baleia pare um só, tão grande como um cavalo, no fim de agosto se tornam para o mar largo, e no dia de S. João Batista começam a pescaria, dizendo primeiro uma missa na ermida de Nossa Senhora de Montserrate, na ponta de Tapuípe, a qual acabada o padre revestido benze as lanchas, e todos os instrumentos, que nesta pescaria servem, e com isto se vão em busca das baleias, e a primeira coisa que fazem é arpoar o filho, a que chamam baleato, o qual anda sempre em cima da água brincando, dando saltos como golfinhos, e assim com facilidade o arpoam com um arpéu de esgalhos posto em uma haste, como de um dardo, e em o ferindo e prendendo com os galhos puxam por ele com a corda do arpéu, e o amarram, e atracam em uma das lanchas, que são três as que andam neste ministério, e logo da outra arpoam a mãe, que não se aparta do filho, e como a baleia não tem ussos mais que no espinhaço, e o arpéu é pesado, e despedido de bom braço, entra-lhe até o meio da haste, sentindo-se ela ferida corre, e foge uma légua, às vezes mais, por cima da água, e o arpoador lhe larga a corda, e a vai seguindo até que canse, e cheguem as duas lanchas, que chegadas se tornam todas três a pôr em esquadrão, ficando a que traz o baleato no meio, o qual a mãe sentindo se vem para ele, e neste tempo da outra lancha outro arpoador lhe despede com a mesma força o arpéu, e ela dá outra corrida como a primeira, da qual fica já tão cansada, que de todas as três lanchas a lanceiam com lanças de ferros agudos a modo de meias-luas, e a ferem de maneira que dá muitos bramidos com a dor, e quando morre bota pelas ventas tanta quantidade de sangue para o ar, que cobre o sol, e faz uma nuvem vermelha, com que fica o mar vermelho, e este é o sinal que acabou, e morreu, logo com muita presteza se lançam ao mar cinco homens com cordas de linho grossas, e lhe apertam os queixos e boca, porque não lhe entre água, e a atracam, e amarram a uma lancha, e todas três vão vogando em fileira até a ilha de Itaparica, que está três léguas fronteira a esta cidade, onde a metem no porto chamado da Cruz, e a espostejam, e fazem azeite. Gasta-se de soldadas com a gente que anda neste ministério, os dois meses que dura a pescaria, oito mil cruzados, porque a cada arpoador se dá quinhentos cruzados, e a menor soldada que se paga aos outros é de 30 mil-réis, fora comer, e beber de toda a gente; porém também é muito o proveito, que se tira, porque de ordinário se matam 30 ou 40 baleias, e cada uma dá 20 pipas de azeite pouco mais ou menos, conforme é a sua grandeza, e se vende cada uma das pipas a 18 ou 20 mil-réis, além do proveito que se tira da carne magra da baleia, a qual fazem em cobros, e tassalhos, e a salgam e põem a secar ao sol, e seca a metem em pipas, e vendem cada uma por 12 ou 15 cruzados, e nisto se não ocupa a gente do azeite, que são de ordinário 60 homens entre brancos e negros, os quais lhe são mais afeiçoados que a nenhum outro peixe, e dizem que os purga, e faz sarar de boubas, e de outras enfermidades, e frialdades, e os senhores, quando eles vêm feridos das brigas, que fazem em suas bebedices, com este azeite quente os curam, e saram melhor que com bálsamos. Mas com se haver morto tanta multidão de baleias, em nenhuma se achou âmbar, que dizem ser o seu mantimento, nem era do mesmo talho, e espécie, outra que saiu murta há poucos anos nesta Bahia, em cujo bucho e tripas se acharam 12 arrobas de âmbar gris finíssimo, fora outro que tinha vomitado na praia.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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