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Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 42 - Do que aconteceu a uma nau flamenga, que por mercancia ia à capitania do Espírito Santo carregar de pau-brasil

De Atlas Digital da América Lusa

Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 42 - Do que aconteceu a uma nau flamenga, que por mercancia ia à capitania do Espírito Santo carregar de pau-brasil

Geometria

Costumavam ir ao Brasil urcas flamengas despachadas, e fretadas em Lisboa, Porto, e Viana com fazendas da sua terra, e de mercadores portugueses, para levarem açúcar, entre as quais foi uma a capitania do Espírito Santo, e pediu o capitão dela ao superior da casa dos padres da companhia, que ali tem doutrina de índios a seu cargo, que lhe mandassem fazer por eles uma carga de pau-brasil na aldeia de Reritiba, onde há muito, e tem um porto, e o ano seguinte tornaria a buscá-lo, e lhes trariam a paga em ornamentos para a igreja, ou no que quisessem; deu o padre conta disto ao procurador, que ali estava, dos contratadores do pau, e com o seu beneplácito se fez na dita aldeia, porém sendo el-rei informado que por essas urcas serem mais fortes, e artilhadas, todos queriam carregar antes nelas, e cessava a navegação dos navios portugueses, e quando os quisesse para armadas não os teria, nem homens que soubessem a arte de navegar, parecendo-lhe bem esta razão a el-rei, e outras que o moveriam, escreveu ao governador Diogo Botelho, e aos mais capitães, não consentissem mais em suas capitanias entrar navio algum de estrangeiros por via de mercancia, nem por outra alguma, mas os metessem no fundo, e perseguissem como a inimigos. Depois desta proibição chegou o flamengo a barra do Espírito Santo, e não achou já o padre superior, por ser mudado para o Rio de Janeiro, senão outro, que lhe não falou a propósito, foi-se à aldeia onde o pau estava junto, e porque também os padres, que lá estavam, lho não deixaram carregar, tomou quatro índios, e se foi ao Cabo Frio desembarcar, e dali por terra disfarçado a falar com o padre no Colégio do Rio de Janeiro, o qual lhe disse que não tratasse disso, porque el-rei o tinha proibido, antes se tornasse com toda a cautela, porque se Martim de Sá, governador do Rio, o sabia, lhe custaria a vida; não se tornou com tanto segredo o flamengo, que Martim de Sá o não soubesse, e assim mandou logo cinco canoas grandes com muitos homens brancos, e índios flecheiros, e seu tio Manuel Corrêa por capitão, o qual chegou ao Cabo Frio a tempo que os achou em terra com alguns flamengos, carregando a lancha de pau-brasil, que ali estava feito, e lha tomou, e prendeu a todos, voltando outra vez para o Rio de Janeiro, onde não achou o sobrinho, que era ido por terra ao mesmo Cabo Frio, e quando lá chegou, e não achou as canoas para ir tomar a nau, que estava ao pego, se tornou com muita cólera, e aprestou brevemente quatro navios, que estavam à carga, e saiu em busca da nau dos flamengos, que já andava à vela, mandou-lhes falar pelo seu mesmo capitão, que levava preso, que não atirassem, e se deixassem abalroar, e eles assim o fizeram metidos todos debaixo da xareta, sem aparecer algum; houve portugueses que a quiseram desenxarciar, ou cortar-lhe os mastros; respondeu Martim de Sá que a nau era já sua, e não a queria sem mastros e enxárcia. Era isto já de noite, e os nossos passavam por cima da xareta como por sua casa, quando os flamengos e índios, que com eles iam, começaram a picá-los debaixo com os piques, e da proa, e popa dispararam duas roqueiras cheias de pedras, pregos, e pelouros, com que fizeram grande espalhafato, mataram alguns, e feriram tantos, que os obrigaram deixar-lhe a nau, e irem-se curar à cidade. Os flamengos, que se viram livres, se foram à ilha de Santa Anna quinze léguas do Cabo Frio para o norte, a tomar água, de que estavam faltos, e há ali boas fontes, e bom surgidouro para naus, e porque não tinham batel fizeram uma prancha em que foram cinco com os barris à terra, e pondo um no pico da ilha a vigiar o mar, os quatro enchiam os barris, e os iam levando poucos e poucos. Não ficavam na nau mais que outros quatro homens, e dois moços, porque a mais gente lhes haviam levado as canoas, o que considerado pelos índios, que também eram quatro, remeteu cada um a seu com facas e traçados, e como estavam descuidados facilmente foram mortos, os dois moços grumetes reservaram flechando-os na câmera, porque não avisassem aos da água, quando viessem, e porque depois os ajudassem na navegação; e assim em chegando os da água a bordo os mataram, e cortadas as amarras largaram as velas ao vento sul, que então ventava e era em popa, para a sua aldeia, mas como não sabiam navegar aos bordos, e estando já perto dela se virou o vento ao nordeste, tornaram a voltar para o Cabo Frio, passaram-no, e iam perto da barra do Rio de Janeiro, quando outra vez lhe ventou o sul, e como do Cabo Frio ao Rio corre a costa de leste a oeste, e o sul lhe fica travessam, ali deu a nau através, e se fez em pedaços, salvando-se todavia os índios a nado, que levaram a nova a Martim de Sá, o qual posto que já tinha acabado o seu governo, porque naquele mesmo dia entrou seu sucessor Afonso de Albuquerque, ainda com seu beneplácito foi ver se podia salvar algumas fazendas das que saíam pela costa, mas poucas se aproveitaram, por virem todas dos mares danadas e desfeitas.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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