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Livro 4 - DA HISTORIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Manuel Teles Barreto ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Gaspar de Souza - Capítulo 47 - Da nova invenção de engenhos de açúcar, que neste tempo se fez

De Atlas Digital da América Lusa

Edição feita às 08h59min de 9 de janeiro de 2013 por Tiagogil (disc | contribs)

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Como o trato e negócio principal do Brasil é de açúcar, em nenhuma outra coisa se ocupam os engenhos, e habilidades dos homens tanto como em inventar artifícios com que o façam, e porventura por isso lhe chamam engenhos. Lembra-me haver lido em um livro antigo das propriedades das coisas que antigamente se não usava de outro artifício mais que picar, ou golpear as canas com uma faca, e o licor que pelos golpes corria, e se coalhava ao sol, este era o açúcar, e tão pouco que só se dava por mesinha; depois se inventaram muitos artifícios, e engenhos para se fazer em maior quantidade, dos quais todos se usou no Brasil, como foram os dos pilões, de mós, e os de eixos, e estes últimos foram os mais usados, que eram dois eixos postos um sobre o outro, movidos com uma roda de água, ou de bois, que andava com uma muito campeira chamada bolandeira, a qual ganhando vento movia, e fazia andar outras quatro, e os eixos em que a cana se moía; e além desta máquina havia outra de duas ou três gangorras de paus compridos, mais grossos do que tonéis, com que aquela cana, depois de moída nos eixos, se espremia, para o que tudo, e para as fornalhas em que o caldo se coze, e incorpora o açúcar, era necessário uma casa de 150 palmos de comprido e 50 de largo, e era muito tempo e dinheiro o que na fábrica dela, e do engenho se gastava. Ultimamente, governando esta terra d. Diogo de Menezes, veio a ela um clérigo espanhol das partes do Peru, o qual ensinou outro mais fácil e de menos fabrica e custo, que é o que hoje se usa, que é somente três paus postos de por alto muito justos, dos quais o do meio com uma roda de água, ou com uma almanjarra de bois ou cavalos se move, e faz mover os outros; passada a cana por eles duas vezes larga todo o sumo sem ter necessidade de gangorras, nem de outra coisa, mais que cozer-se nas caldeiras, que são cinco em cada engenho, e leva cada uma duas pipas pouco mais ou menos de mel, além de uns tachos grandes, em que se põem em ponto de açúcar, e se deita em formas de barro no tendal, donde as levam à casa de purgar, que é mui grande, e postas em andainas lhes lançam um bolo de barro batido na boca, e depois daquele outro, com o açúcar se purga, e faz alvíssimo, o que se fez por experiência de uma galinha, que acertou de saltar em uma forma com os pés cheios de barro, e ficando todo o mais açúcar pardo, viram só o lugar da pegada ficou branca. Por serem estes engenhos dos três paus, a que chamam entrosas, de menos fabrica e custo, se desfizeram as outras máquinas, e se fizeram todos desta invenção, e outros muitos de novo; pelo que no Rio de Janeiro, onde até aquele tempo se tratava mais de farinha para Angola que açúcar, agora há já 40 engenhos. Na Bahia 50, em Pernambuco 100, em Itamaracá 18 ou 20, e na Paraíba outros tantos; mas que aproveita fazer-se tanto açúcar se a cópia lhe tira o valor, e dão tão pouco preço por ele, que nem o custo se tira. A figura das entrosas, e engenhos de açúcar, que agora se usam assim de água, como de bois, é a seguinte. Neste mesmo tempo, que governava a Bahia d. Diogo de Menezes, entrou nela por fazer muita água uma nau da Índia, da qual era capitão Antônio Barroso, vindo primeiro em um batel a remos o mestre, que havia ido no galeão o ano passado, chamado Antônio Fernandes, o mau, a pedir socorro, porque vinha a nau por três partes rachada, e já com 14 palmos de água dentro, e o governador mandou logo duas caravelas com pilotos práticos, que a trouxessem ao porto, o que não bastou para que com a corrente da maré, que vazava, não se encostasse em uma baixa, onde por evitar maior dano lhe cortaram os mastros, e descarregaram com muita brevidade, e depois que de todo esteve descarregada, vendo que não tinha conserto, lhe mandou d. Diogo pôr o fogo, chegando quanto puderam à terra para se aproveitar a pregadura, como se aproveitou muita, a fazenda se entregou ao provedor-mor, que então era o desembargador Pero de Cascais, o qual sobre isso foi mandado do reino que fosse preso, como foi, e pelejando no mar com um corsário o feriram em um pé, de que ficou manco, mas no que toca à fazenda, livrou-se bem, a qual mandou el-rei cá buscar em sete naus da armada por Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor que havia sido da Paraíba, e a levou a salvamento.


Ficha técnica da Fonte
Autor: Frei Vicente do Salvador
Data: 1627.
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