Ações

O negro Bastião

De Atlas Digital da América Lusa

Edição feita às 07h00min de 5 de dezembro de 2014 por Tiagogil (disc | contribs)

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por Mariana Leonardo de Souza


Os negros não assumiam um lado definido do conflito, podendo se aliar tanto aos invasores holandeses quanto aos senhores de engenho luso-brasileiros. O regime de escravidão ao qual estavam submetidos não mudaria, independente do lado vencedor. Alguns se mantiveram fiéis a seus antigos senhores, enquanto outros grupos se rebelavam contra os luso-brasileiros e os entregavam aos holandeses. Este gesto não era bem visto por estes, que puniam com a morte quem se rebelasse contra seus antigos senhores, pois não havia garantia que os rebeldes não fariam isso também aos holandeses, se surgisse a oportunidade.{

Neste contexto de fluidez de alianças se encontra o negro Bastião, cuja primeira aparição na obra de frei Vicente se dá no capítulo 23 do livro quinto. Neste primeiro momento, frei Vicente afirma que Bastião estava com os holandeses, e teria desistido da parceria quando um grupo deles resolveu lhe tomar um facão que ele levava consigo. Bastião teria, então, fugido dos perseguidores e se encontrado com outros escravos pelo caminho, que, sabendo do que acontecera com Bastião, o ajudaram a emboscar os flamengos. Daí surge o primeiro relato das ações de Bastião contra o invasor no livro: ele era portador de coragem e grande habilidade com facões e flechas.

A emboscada no capítulo 23 terminou com quatro holandeses mortos e um capturado[1]. Um dos mortos era um "homem já velho", de acordo com o relato do frade. Ele teria ficado preso num atoleiro, de onde ainda conseguia defletir as flechas atiradas em sua direção e até cortá-las no ar[2]. Percebendo que a situação poderia não mudar tão cedo, Bastião entrou no atoleiro e feriu os braços do holandês. A ação dos outros participantes da tocaia não é descrita individualmente, como a de Bastião; apenas ele recebe foco maior na narrativa desse evento, apesar de estar implícito que todos participaram da tocaia.

A próxima aparição deste personagem está no capítulo 26 do mesmo livro. Bastião estava junto com o grupo do capitão Lourenço de Brito, que testificou a ação do negro enquanto este fazia parte de sua companhia. Ele andava a frente dos outros membros do grupo para poder acertar os holandeses com suas flechas, dizendo que estas não chegavam tão longe quanto as balas das armas de fogo[3]. O capitão teria ordenado ao grupo - que também continha outros negros - que se retirasse ao se depararem com um grupo de holandeses, mas Bastião animou o grupo, dizendo para não se retirarem, porque os holandeses estavam armados com espadas, e Bastião não os considerava tão habilidosos com esta arma[4]. Mais uma vez a coragem de Bastião aparece no texto como um fator que não está destacado em outros personagens, apesar de estar implícito que os outros também são valorosos, mesmo que nem todos tenham experiência em combate; nesta passagem, Bastião julga que a batalha não seria impossível de ser vencida e decide continuar no ataque, mesmo quando o capitão do grupo, em um primeiro momento, decida por retirar-se. A decisão de Lourenço de Brito não foi tomada por causa do medo e sim por questões estratégicas; mesmo assim, Bastião afirmou que a vitória dos luso-brasileiros seria possível, baseado em experiências próprias em conflitos contra holandeses quando estes portavam espadas. Mas o capitão também não teria experiência contra os holandeses? E, por ser capitão português, especialmente, ele não seria uma figura exaltada pelo frade, seguindo o modelo narrativo seiscentista? Não teria que ser ele o personagem com maior destaque numa situação que exigiria bravura? A desobediência de Bastião teria sido, no final, justificada por causa de sua coragem?

A inclusão de Bastião na narrativa fica ainda mais curiosa com esse trecho. Depois disso, ele não é mais mencionado, nem o resultado deste conflito fica claro.


Referências

  1. História do Brasil, p. 515
  2. Idem
  3. Idem, p. 523
  4. Idem, p. 524.



Citação deste verbete
Autor do verbete: Mariana Leonardo de Souza
Como citar: SOUZA, Mariana Leonardo de. "O negro Bastião". In: BiblioAtlas - Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: http://lhs.unb.br/atlas/O_negro_Basti%C3%A3o. Data de acesso: 28 de março de 2024.



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