(Criou página com '{{Verbete |nome=André |sobrenome=CAVAZZANI |verbete=A roda era um objeto cilíndrico acoplado em muradas de asilos e conventos para que ali fossem depositados recém nascidos...') |
por André CAVAZZANI |
A roda era um objeto cilíndrico acoplado em muradas de asilos e conventos para que ali fossem depositados recém nascidos abandonados pelos seus progenitores.
Não se sabe o dia, o mês ou ano do ocorrido. Mas o fato teria se dado no século XIII, em Roma. Alguns pescadores lançaram suas redes ao fundo das águas do Tibre. O emaranhado parecia estar mais pesado que de costume. Quando, à custa de muito esforço, os pescadores içaram suas redes, descobriram a razão para tanto peso: não havia apenas peixes na rede. Estas trouxeram à tona uma grande quantidade de corpos de bebês afogados, lançados ao rio, muito provavelmente por seus próprios pais. Abalado com tal situação, o papa Inocêncio III designou o frei Guy de Montpellier para criar um meio de acolher os recém-nascidos rejeitados e evitar que eles fossem afogados no rio. Em 1203, o frei mandou abrir um buraco na parede do Hospital do Santo Espírito em Roma (fundado em 1198) e encaixar ali uma espécie de caixa cilíndrica, onde a criança podia ser deixada sem que a mãe precisasse se identificar. No vernáculo italiano esta engrenagem ficou conhecida como Ruota, em português Roda.[1]
Se a lenda narrada há pouco é denotativa da recorrência do abandono crianças no baixo medievo, esta prática é um fenômeno de todas as épocas e lugares. Os séculos XVIII e XIX, por exemplo, conviveram com milhares de crianças recém - nascidas abandonadas por seus pais, dadas a criar ou enviadas às Santas Casas de Misericórdia.[2] Conforme atestam os dicionários de época, nossos antepassados utilizavam-se das terminologias exposto ou enjeitado para designar estes pequenos. Estudos têm demonstrado que este fenômeno apresentava especificidades de acordo com a área socioeconômica em que ocorria. No Brasil, os índices de exposição tendiam a ser menores nas regiões agrícolas compostas por pequenos lavradores. Já nos grandes núcleos urbanos como, por exemplo, Salvador e Rio de Janeiro a proporção de expostos aumentava. Nestas duas localidades foram criadas, à primeira metade do setecentos, as primeiras instituições de amparo a estas crianças em terras brasileiras.[3] Administrados pelas Santas Casas de Misericórdia, estes estabelecimentos também abriram buracos em suas muradas para que fossem acoplados tornos. Ficariam, assim, conhecidos como Casa dos Expostos, Depósito dos Expostos, ou então Casas de Roda. Grande emblema do fenômeno da exposição de recém-nascidos, as casas de Roda se restringiram às grandes cidades. Quando não havia as Casas de Roda algumas Câmaras Municipais incumbiam-se do cuidado aos expostos pagando, mediante a coleta de impostos, a criação das crianças em domicílios especialmente escolhidos.[4] Contudo, nos sete e oitocentos, a maior parte do Brasil, ficou destituída do amparo oficial aos expostos através das Casas de Roda e, também, através das Câmaras. Isto não inibia o abandono que ocorria, em locais ermos, em adros de igrejas, ou então, como era mais comum, à porta dos domicílios, prática que alguns historiadores passaram a chamar tecnicamente de abandono domiciliar.[5] Fosse nas casas de roda, fosse nas soleiras das portas o fato é que os inúmeros casos de crianças abandonadas não geravam a comoção, que hoje se vê ocorrer diante de um caso de abandono. Há que se considerar, nesta direção, as diferenças de sensibilidade em relação à infância entre a sociedade atual e as pretéritas. A importância central que a infância veio a adquirir - pelo menos nos discursos - é um dado recente.
Citação deste verbete |
Autor do verbete: André CAVAZZANI |
Como citar: CAVAZZANI, André. "Roda dos Expostos". In: BiblioAtlas - Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: https://lhs.unb.br/atlas/index.php?title=Roda_dos_Expostos. Data de acesso: 24 de fevereiro de 2025.
|
Informar erro nesta página |