por Victor Luiz Alvares Oliveira |
A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada em 1565 por homens da expedição comandada por Estácio de Sá, que tinha como finalidade construir povoação na Baía de Guanabara e expulsar os indígenas tamoios e os franceses que ameçavam ocupar a região. Ainda em meio à disputa pelo território, o governador geral do Estado do Brasil, Mem de Sá, transferiu o núcleo urbano para um morro que ficaria conhecido como morro do Castelo, privilegiando assim a defesa da cidade mesmo que a princípio limitasse o seu espaço para expansão ou mesmo dificultasse o acesso aos rios [1] Construída sob influência da Coroa portuguesa com vistas de assegurar o domínio luso na costa sul da América, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro nasceu como um ponto estratégico na geopólitica de defesa do território, especialmente pela posição da cidade no interior de uma baía que dificultava a sua invasão por forças inimigas. Demonstração da sua crescente importância nesse aspecto se dá quando em 1572 o rei D. Sebastião divide o Estado do Brasil em duas regiões administrativas: a região das capitanias do norte, com capital em Salvador, e as capitanias do sul, sob governo da cidade do Rio de Janeiro. Tal divisão perdurou até 1578 [2]
Sua posição como ponto de apoio e baluarte de defesa da região sul continuou com o passar do tempo. Quando no século XVII o domínio dos holandeses sob o nordeste ameaçava se expandir para outras partes da América portuguesa, a Coroa dos Habsburgos não deixou de atender os pedidos de Salvador Correia de Sá e Benevides (que era desde 1636 governador do Rio de Janeiro) em enviar homens, artilharias e munições, pedidos que significavam pesados esforços para a dinastia, que tinha seus territórios em Europa e América sob pesados ataques. Por isso mesmo estudiosos como Charles R. Boxer atestam que o pronto atendimento inicial das demandas do governador era uma demontração da importância que se atribuía à praça do Rio de Janeiro naquela época [3] Ainda no contexto da disputa contra os holandeses, a cidade de São Sebastião desempenhou também papel fundamental ao custear e ceder homens e navios para o ataque em 1648 à Luanda, em Angola – dominada então pelos holandeses – reforçando seu papel estratégico não só para a manutenção da parte sul da América mas também para a manutenção do império ultramarino luso no Atlântico.[4] Com a descoberta do ouro no interior da América e o destaque do porto do Rio de Janeiro no escoamento deste metal precioso a cidade cresce em importância e passa a ser a capital do vice-reinado do Brasil em 1763.
As primeiras informações sobre os habitantes do Rio de Janeiro são muito vagas, ficando restritas à relação de viajantes e cronistas que estiveram na cidade, ou seja, são informações que não foram resultado de uma contagem rigorosa da população ou mesmo realizadas de forma oficial por poderes régios ou locais. Uma das primeiras estimativas é a de Pero de Magalhães Gândavo que, escrevendo na década de 1570, pouco tempo depois da fundação da cidade, afirma que nela poderiam haver 140 vizinhos.[5] O historiador Joaquim Veríssimo Serrão, com base nas cartas de sesmarias passadas no período de 1585 a 1598, estima que cerca de 40 a 50 sesmeiros vieram de outras capitanias para colonizar a cidade e os seus arredores, o que poderia significar um aumento de 200 a 300 habitantes na região pelo final do século XVI.[6]
Para o século XVII uma das relações mais completas da população é uma visita paroquial anônima intitulada Notícias do Bispado do Rio de Janeiro no ano de 1687. Segundo esta notícia, o núcleo da cidade contava com duas paróquias: a freguesia da Sé e a freguesia da Candelária. No seu perímetro urbano viviam 7.000 pessoas (com 3.500 em cada uma das paróquias) divididas em 650 fogos na Sé e mais 600 fogos na Candelária. As freguesias do seu entorno e do recôncavo somavam menos ainda: a de São Gonçalo com 250 fogos e 1.500 pessoas (sendo 700 escravos); a de Santo Antônio de Macacu com 167 fogos e 1.037 pessoas; a de São João de Itaboraí com 91 fogos e 382 pessoas de comunhão; a de N. S. da Apresentação de Irajá com 200 fogos e 1.800 pessoas e a de N. S. do Loreto de Jacarepaguá com 186 fogos e 400 pessoas. Contava ainda com uma população vivendo em torno de capelas curadas (Tambí, São João de Meriti, Santíssima Trindade, Guapimirim, Suruí, Pacobaíba, Inhomirim, Marapicu, Santo Antonio, Inhoaíba, Campo Grande, Inhaúma, Magé e Caraí), perfazendo em finais do século XVII a cidade e suas imediações rurais uma população de 18.578 pessoas divididas em 3.101 fogos.[7]
Pela altura da invasão do corsário francês Duguay Trouin em 1711, uma carta do alemão Jonas Finck que estava no Rio de Janeiro na época, dava relato de que a cidade contava com uma tropa de 1.000 soldados, 2.000 marinheiros, 4.000 cidadãos e 8.000 negros, perfazendo um total de 15.000 pessoas na sua estimativa.[8] Avançando no século XVIII a urbe mostrava da sua crescente população. De acordo com as memórias públicas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, pela observação dos anos de 1779 até 1789, a cidade se apresentava com quatro freguesias urbanas (Sé, Candelária, São José e Santa Rita) que neste período somavam 38.707 pessoas divididas em 5.827 fogos.[9] As freguesias de fora do muro da cidade somaram uma população 51.011, porém como os cálculos referente a estas freguesias apresentam alguns erros, é de supor que a sua população rural beirasse as 50.000 almas pela década de 1780[10]A população cativa das freguesias rurais era significativa, com 16.873 homens e 11.028 mulheres. [11]
Pelo final dos setecentos estudos de João Fragoso atestam que o Rio de Janeiro se torna uma praça comercial de crescente importância, especialmente pela confluência de diversas rotas comerciais internas e externas que transparece um domínio econômico dos chamados comerciantes de grosso-trato, ligados com redes comerciais que poderiam ir desde o interior das capitanias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro até praças ultramarinas como Luanda em Angola ou Goa na Índia.[12] Apesar da cidade e capitania do Rio de Janeiro possuir uma produção açucareira que remonta finais do século XVI, com o tempo este setor perde em termos de dinamismo econômico e vê suas potencialidades de acumulação perderem força se comparadas com as redes comerciais em torno da produção de alimentos para o abastecimento interno e especialmente do comércio de africanos.[13]
O crescente dinamismo econômico da praça mercantil do Rio de Janeiro no século XVIII propicia um aumento populacional que no limiar dessa centúria faria a população urbana ultrapassar os cinquenta mil habitantes. Monsenhor Pizarro relata que o mapa da população da cidade, organizado pelo vice-rei Conde de Resende, contou no ano de 1799 o número de 43.730 habitantes adultos com uma quantidade de fogos excedendo os 6.760. Posto que neste mapa não foi levado em consideração os indivíduos dos regimentos de linha, Pizarro não duvidava que por aquela época o total de habitantes do Rio de Janeiro bem poderia exceder 50.000 pessoas só no perímetro urbano.[14] Por sua vez,em 1796 segundo um documento de autoria anônima intitulado Extracto da População da Capitania do Rio de Janeiro, provavelmente fruto do crescente interesse da Coroa em contabilizar seus súditos, a capitania do Rio de Janeiro aparecia com um total de 182.757 pessoas divididas em 72.946 brancos, 19.165 pardos libertos, 6.582 pretos libertos e 84.064 escravos.[15]
A população escravizada, especialmente a africana, teve uma importância crescente na composição populacional, apesar de nem sempre ser fácil constatar o seu peso na demografia do Rio de Janeiro colonial. No final do século XVI já existiam indícios da presença de cativos africanos, porém mesmo com algumas fontes atestando a sua presença não existem estimativas mais específicas sobre a sua quantidade para o período.[16] No século XVII com o crescimento do comércio entre o Rio de Janeiro e as partes de Angola começa a se formar um cenário mais favorável à entrada de africanos, porém ainda assim faltam estimativas ou números concretos que atestem isso. Recentemente, Maurício de Almeida Abreu constatou a significativa presença de escravos de origem africana nos inventários e testamentos da capitania do Rio de Janeiro entre 1626 a 1700. No segundo e terceiro quarto do século XVII a presença deles superou os 50% de referências nos documentos, referendando a perspectiva defendida pelo autor de uma guinada atlântica da cidade já no seiscentos.[17]
A crescente construção de engenhos para a produção do açúcar no século XVII impulsionaram a população africana escravizada na cidade e seu termo rural, fator que só viria a aumentar com a descoberta do ouro no interior e o maior dinamismo da economia da região sul-sudeste da América lusa.[18]Alguns viajantes estrangeiros que passaram pelo Rio de Janeiro no século XVIII davam impressões da quantidade de escravos que circulavam pelas ruas, como o já citado alemão Jonas Finck que asseverou cerca de 8.000 escravos negros em 1711, “todos vivendo em condições miseráveis”.[19] Bem mais tarde, em 1768, o oficial da marinha britânica James Cook estimava a população da capitania do Rio de Janeiro em 666.000 homens, com 37.000 brancos e 629.000 negros.[20] A população negra está claramente superdimensionada e tal número na verdade parece demonstrar muito mais a forte impressão que ficava nos viajantes da presença negra nas ruas, característica que saltou aos olhos de boa parte dos estrangeiros que pisaram na cidade durante os séculos XVIII e XIX.
Se essa impressão de uma cidade dominada por africanos e pardos no cativeiro foi a representação preferida dos viajantes, alguns mapas populacionais confeccionados a mando da Coroa portuguesa no final do século XVIII apontam de fato para o domínio da população escravizada nas imediações rurais da cidade. Para regiões como Jacarepaguá, Campo Grande e Guaratiba, freguesias dominadas pelos engenhos de açúcar e roças de pequenos lavradores, existem mapas realizados para o ano de 1797 demonstrando que a população cativa ultrapassava os 50% do total em todas estas três paróquias, sendo que boa parte destes cativos se concentravam nas mãos dos senhores de engenho ainda naquele final de século.[21]
Citação deste verbete |
Autor do verbete: Victor Luiz Alvares Oliveira |
Como citar: OLIVEIRA, Victor Luiz Alvares. "Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro". In: BiblioAtlas - Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: https://lhs.unb.br/atlas/index.php?title=Cidade_de_S%C3%A3o_Sebasti%C3%A3o_do_Rio_de_Janeiro. Data de acesso: 23 de fevereiro de 2025.
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