Introdução à criação de cartografia digital

De Cliomatica - Digital History


por Tiago Gil

A geografia mudou completamente com o uso das novas tecnologias, muito mais do que a história. E com isso ela ocupou espaços antes não imaginados ou então inacessíveis. Os Sistemas de Informação Geográfica, ou Geographic Information Systems (GIS), tiveram um peso fundamental nesta mudança. Trata-se da aplicação das novas tecnologias da informação para a análise do espaço, resultando daí o que se chama de “geoprocessamento”. É passar a cartografia do papel para o computador, permitindo algumas inovações, como o cruzamento automático dos mapas com bancos de dados e com imagens, de satélite ou fotografias aéreas, dando grande velocidade ao processo e permitindo intensificar a produção de novos dados.

Em boa medida, o aprendizado sobre este tipo de sistema passa pelo aprendizado de certos softwares, geralmente comerciais.1 Sendo uma atividade extremamente específica, não há como avançar neste campo sem aprender algumas coisas destes programas. Em geral, eles são bastante parecidos, ainda que a quantidade de recursos seja muito variável, assim como o tempo de aprendizado. Da mesma forma que geralmente usamos processadores de texto, como o Microsoft Word e o Open Office, que correspondem aos formatos de arquivo DOC e ODT, há também certos programas e certos arquivos mais populares no geoprocessamento. O mais difundido é o formato SHP, criado pela empresa ESRI, que desenvolveu o programa ArcGis. Outro formato bastante conhecido é o KML, muito empregado pela Google no Google Earth. Contudo, outros programas, igualmente úteis, como Quantum Gis e Diva Gis também são capazes de trabalhar com estes arquivos. Cada arquivo destes corresponde a um lugar, digamos assim. Podemos dispor de um arquivo KML com o desenho da América do Sul, como podemos ter o mapa mundi dentro de um arquivo SHP.

Qualquer um dos dois pode ter apenas o ponto que localiza uma cidade, ou um conjunto delas. Organizamos e guardamos estes arquivos como quem coleciona selos, colocando em pastas diferentes arquivos de lugares diferentes. E montamos mapas sobrepondo as imagens destes arquivos como quem empilha figurinhas. Quase todos os programas tem um botão com um sinal de “ + ”. Clicando neste botão, podemos abrir os arquivos e colocá-los na ordem, do mais fundo para o mais raso, digamos assim, colocando primeiro o leito do oceano, para assentar nele os continentes e, nestes, os dados que temos das coisas que ocorrem dentro deles, como as cidades, as estradas, etc. Como os arquivos estão todos “georreferenciados”, eles encaixam perfeitamente, desde que tenham o mesmo datum, a mesma projeção e o mesmo sistema de coordenadas. Convém ver isso antes de “importá-los” para nosso mapa.

Falando deste jeito, parece que podemos conseguir os arquivos de mapas, como os KML e os SHP em algum lugar e logo montar nossos mapas. Mas é isso mesmo, geralmente encontramos mapas prontos, feitos por alguém, direto na internet. Convém citá-los, evidentemente, mas quase sempre são abertos. Vários órgãos governamentais disponibilizam estes trabalhos, assim como algumas empresas privadas. Nem todos são tão bons. Convém saber se o cartógrafo que os fez abusou da generalização ou se caprichou nos contornos. Uma costa muito acidentada por ter sido simplificada com um preguiçoso risco reto na mão de um cartógrafo apressado. Descobrimos isso ao dar um “zoom” na imagem e ver como está. Se não encontramos o mapa que queremos, podemos desenhar diretamente, bancando os cartógrafos. Para isso, temos duas alternativas. A primeira, mais ortodoxa, é conseguir uma imagem (foto de satélite ou fotografia aérea) do local que queremos. Vamos desenhar “por cima” dela, como se fizéssemos com um papel manteiga. Mas a imagem precisa, ela também, estar no lugar certo das coordenadas, ou seja, georreferenciada. Para isso, precisamos identificar visualmente certos pontos na imagem e atribuir-lhes as coordenadas destes pontos. Não é muito fácil e requer algum esforço, mas boa parte dos programas permite esse empreendimento.

Outra solução, mais simples, é tomar um programa que já tenha a imagem no lugar, como o Google Earth, desenhando por cima com as ferramentas disponibilizadas no software. Um dos programas mais fáceis de se trabalhar é o Google Earth. Sua grande arma é a versatilidade. É muito fácil criar pontos, linhas e polígonos com ele. Também é possível sobrepor mapas históricos à imagem de satélite atual (pode dar trabalho, mas não exige um grande aprendizado) o que em outros programas GIS não ocorre, já que estes dispõem de poderosas ferramentas para sobrepor mapas. Contudo, o Google Earth também tem seus trunfos: ele permite sobrepor o mapa com os conteúdos do programa, fotos atuais de satélite, quase sempre em alta resolução (algo difícil de obter em outro lugar). Isso facilita a sobreposição e permite o uso de conteúdos adicionais, como pontos de referência e fotos feitas por usuários (que podem ser boas pistas para localizar prédios históricos, por exemplo). Os dados dele podem ser exportados para outros programas na hora de preparar os mapas. Basta salvar o arquivo KML, que poderá ser aberto em qualquer outro programa de sistema de informação geográfica. Mas tente descobrir, antes, se alguém já fez isso, poupa muitas horas de trabalho.

Neste último exemplo, estamos pensando em polígonos, como no caso dos continentes ou dos países. Podemos fazer a mesma coisa com os rios e estradas, que quase sempre são representados com linhas. Se vamos trabalhar com pontos, para indicar, por exemplo, a localização de certas localidades, podemos usar um outro recurso, bem mais simples: uma tabela. Pode ser feito em um software de planilha eletrônica, como o Microsoft Excel, ou o Open Office Planilha. O importante é que o arquivo seja feito com alguns cuidados. É preciso criar algumas colunas: o nome do lugar é uma delas, fundamental. Outras duas colunas, também essenciais, são a latitude e a longitude. Com elas, geramos nossa tabela georreferenciada. Depois disso, precisamos salvar nosso arquivo em um formato que possa ser lido pelo programa de geoprocessamento. Um formato bem simples é o CSV (comma separated values, valores separados por vírgula). Ele apresentará os dados da seguinte forma:


Como é o arquivo CSV

Id,Nome,Latitude,Longitude

1,LugarXXX,-30.41,-51.56

2,LugarYYY,-32.54,-52.86


Como ele fica em uma planilha eletrônica (ou mesmo como é lido pelo software):

Id Lugar Lat Long
1 LugarXXX "-30.41" "-51.56"
2 LugarYYY "-32.54" "-52.86"


Repare que temos apenas uma coluna, que separa os valores em ordem, por vírgula. O primeiro dado, chamado de “ID” é apenas um identificador, seguido pelo nome e outros dados que desejamos, como o país, latitude e longitude. Podemos acrescentar outras informações, como o total da população destas localidades, por exemplo, ou alguma outra variável que queiramos estudar. Se as colunas latitude e longitude vão colocar o ponto exatamente onde quero, a coluna com alguma variável, vai me permitir diferenciar os pontos entre tipos diferentes, atribuindo cores e formatos para facilitar a leitura do mapa, quando estiver pronto.

Onde posso conseguir informação sobre a latitude e longitude dos lugares? Basta ter um aparelho de GPS que indique estes dados e ir até o local que você deseja. Se achar mais prático, basta usar sites como o Open Street Maps e o Google Maps, além de programas como o Google Earth. É o caso de anotar e organizar cada uma destas informações, uma por uma. É trabalhoso, mas os dados poderão ser utilizados diversas vezes. Feito isso tudo, podemos “importar” o arquivo CSV para nosso mapa. Quase todos os programas fazem isso, certamente Quantum Gis e ArcGis fazem. Isso varia de programa para programa, mas geralmente haverá um botão de “importar dados de texto” para o mapa. Os pontos vão aparecer na tela e poderão ser alterados (cores, tamanho, formato). Linhas e polígonos podem, igualmente, ser alterados em sua apresentação.

O vídeo abaixo demonstra tudo isso de um modo muito visual:


Referências




Citação deste verbete
Autor do verbete: Tiago Gil
Como citar: GIL, Tiago. "Introdução à criação de cartografia digital". In: CLIOMATICA - Portal de História Digital e Pesquisa. Disponível em: http://lhs.unb.br/cliomatica/index.php/Introdu%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0_cria%C3%A7%C3%A3o_de_cartografia_digital. Data de acesso: 29 de junho de 2024.


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