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Livro 3 - DA HISTÓRIA DO BRASIL DO TEMPO QUE O GOVERNOU Tomé de Souza ATÉ A VINDA DO GOVERNADOR Manuel Teles Barreto - Capítulo 10

De Atlas Digital da América Lusa

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Toda esta armada de canoas puseram em cilada, escondida em uma volta que fazia o mar, daqui saiu um pequeno número delas, contra as quais mandou o general cinco das nove que trouxe de S. Vicente, porque os índios amigos, enfadados da guerra, se haviam já ido com as quatro.  
 
Toda esta armada de canoas puseram em cilada, escondida em uma volta que fazia o mar, daqui saiu um pequeno número delas, contra as quais mandou o general cinco das nove que trouxe de S. Vicente, porque os índios amigos, enfadados da guerra, se haviam já ido com as quatro.  
 
Os [[Tamoios]], não ainda bem começada a batalha, viraram as costas, que assim o haviam traçado, e meteram os nossos, que atrevidamente os iam seguindo na cilada, donde saíram as mais canoas inimigas, e subitamente as cercaram por todas as partes; mas nem por isso perderam o ânimo os portugueses, antes resistiram valorosamente ajudados do Divino favor, o qual ainda das coisas que parecem adversas sabe tirar prósperos sucessos, como aqui se viu que acaso ascendendo-se a pólvora em uma das nossas canoas chamuscou a alguns dos inimigos, que a tinham abordada, com o que, e com a chama que levantou a pólvora se alterou tanto a mulher do general, Tamoia, que dando gritos e vozes espantosas atemorizou a todos, e sendo seu marido o primeiro que fugiu com ela, os seguiram os mais, deixando livres os nossos, os quais tornando às suas fronteiras deram graças a Deus por tão grande benefício, e por os haver livres de perigo tão grande pela voz e assombro de uma fraca mulher, ainda que depois declararam os mesmos inimigos que não fora por isto, senão por haverem visto um combatente estranho, de notável postura, e beleza, que saltando atrevidamente nas suas canoas os enchera de medo; donde creram os portugueses que era o bem­aventurado S. Sebastião, a quem haviam tomado por padroeiro desta guerra.
 
Os [[Tamoios]], não ainda bem começada a batalha, viraram as costas, que assim o haviam traçado, e meteram os nossos, que atrevidamente os iam seguindo na cilada, donde saíram as mais canoas inimigas, e subitamente as cercaram por todas as partes; mas nem por isso perderam o ânimo os portugueses, antes resistiram valorosamente ajudados do Divino favor, o qual ainda das coisas que parecem adversas sabe tirar prósperos sucessos, como aqui se viu que acaso ascendendo-se a pólvora em uma das nossas canoas chamuscou a alguns dos inimigos, que a tinham abordada, com o que, e com a chama que levantou a pólvora se alterou tanto a mulher do general, Tamoia, que dando gritos e vozes espantosas atemorizou a todos, e sendo seu marido o primeiro que fugiu com ela, os seguiram os mais, deixando livres os nossos, os quais tornando às suas fronteiras deram graças a Deus por tão grande benefício, e por os haver livres de perigo tão grande pela voz e assombro de uma fraca mulher, ainda que depois declararam os mesmos inimigos que não fora por isto, senão por haverem visto um combatente estranho, de notável postura, e beleza, que saltando atrevidamente nas suas canoas os enchera de medo; donde creram os portugueses que era o bem­aventurado S. Sebastião, a quem haviam tomado por padroeiro desta guerra.
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Edição de 17h09min de 18 de outubro de 2012

Vendo-se os Tamoios já livres da guerra do governador Mem de Sá, se tornaram a fortificar no Rio de Janeiro, donde saíam a correr a costa toda até São Vicente, salteando os índios novos cristãos, prendendo, matando, e comendo a quantos podiam alcançar. Durou esta moléstia dois anos, sem que força alguma pudesse reprimir o atrevimento dos bárbaros insolentes, que cada dia crescia com o favor, e ajuda dos franceses, com que já se não contentavam do mal que faziam aos outros índios, mas a todos os moradores de São Vicente ameaçavam com cruel guerra, e apresentavam uma armada de canoas para por mar, e por terra os combaterem. Este mal tão grande quis remediar o padre Manuel da Nóbrega, primeiro provincial que havia sido da Ordem da Companhia de Jesus na província do Brasil, resolvendo-se a ir tentear os ânimos dos bárbaros para reduzi-los a condições de paz, ou dar a vida pela saúde comum. Para isto tomou por seu companheiro o irmão José de Anchieta, e um Antônio Luiz, homem secular; com os quais se embarcou em uma nau de Francisco Adorno, ilustre genovês, homem naquela terra mui conhecido, rico, e devoto da companhia. Os bárbaros, a notícia da nau portuguesa, cuidando que ia de guerra, acudiram a suas canoas, e lhe saíram ao encontro carregadas de flechas; porém o irmão José de Anchieta com uma breve, e amorosa prática, que lhes fez na sua língua, os quietou, e fez benévolos a sua chegada, e depois com outras muitas, e principalmente com suas devotas orações, e exemplo, que deu de sua vida em três meses, que ficou só entre eles, e dois que esteve com o padre Nóbrega, que se tornou para São Vicente, os reduziu a desejada paz, exceto alguns, que discordes dos mais, e fiados nas armas dos franceses, continuaram a guerra contra os portugueses. Estes sucessos previu a rainha d. Catarina quando leu a carta do governador Mem de Sá, em que lhe dava conta da vitória, que alcançara no Rio de Janeiro, e assim, ainda que lhe agradeceu, e se houve por bem servida dele, todavia lhe estranhou muito o haver arrasado o forte, e não deixar quem defendesse, e povoasse a terra, e lhe mandou, que logo o fizesse, porque não tornasse o inimigo a fazer ali assento com perigo de todo o Brasil; o mesmo lhe escreveu o cardeal d. Henrique, que com ela governava o reino, e para este efeito lhe mandaram pelo próprio seu sobrinho Estácio de Sá, que levou a nova, uma armada de seis caravelas com o galeão S. João, e uma nau da carreira da Índia chamada Santa Maria, a Nova, a que ajuntou o governador os mais navios que pôde, e quisera ir em pessoa; mas por o povo lho não consentir mandou o dito seu sobrinho, no ano de mil quinhentos sessenta e três, a quem acompanhou o ouvidor-geral Braz Fragoso, e Paulo Dias Adorno, comendador de Santiago, em uma galeota sua, que remava dez remos por banda, e outros capitães, os quais chegando todos ao Rio de Janeiro acharam uma nau francesa, que lhe quis fugir pelo rio acima, mas os nossos lhe foram no alcance, e a primeira que lhe chegou foi a galé de Paulo Dias Adorno, em que também ia Duarte Martins Mourão, e Melchior de Azeredo, depois chegou Braz Fragoso, e outros, os quais entrando na nau, acharam muito pão, vinho, e carne, e assim a levaram para baixo onde ficava a Capitânia Santa Maria, a Nova, e o galeão, e o capitão-mor Estácio de Sá fez capitão dela a Antônio da Costa; mas como não há gosto nesta vida, que não seja aguado, indo uma madrugada três batéis nossos tomar água à ribeira da Carioca, deram com nove canoas de índios inimigos, que estavam aguardando em cilada, os quais repartindo-se três e três a cada batel, mataram no da capitânia o contramestre, o guardião, e outros dois marinheiros, e no do galeão feriram a Cristóvão d’Aguiar, o moço, com sete flechadas, e outros sete homens, e o levavam, mas Paulo Dias Adorno lhe acudiu à pressa na sua galé, e chegando a tiro mandou pôr fogo a um falcão, que os fez largar o batel. Enterrados os mortos em uma ilha, chamou Estácio de Sá os capitães a conselho, e assentaram, que se fosse a S. Vicente buscar canoas, e gentio doméstico, e amigo, com que melhor se poderia fazer guerra àquele bárbaro inimigo. Saíram uma madrugada, e a nau francesa, que haviam tomado, diante de todas as outras com um caravelão de Domingos Fernandes, dos Ilhéus, acharam na barra muitas canoas de inimigos índios, e franceses misturados, que chegando ao caravelão o furaram com machados, e o meteram no fundo, matando-lhe quatro homens, e ferindo a Domingos Fernandes de seis flechadas, com que se foi a nado para a nau, a qual também chegaram, e lhe fizeram um buraco; mas um índio da Índia de Praz Fragoso, que ali ia com seu senhor, se foi abaixo da coberta, e pelo mesmo buraco matou um francês, com o que eles, ou com o temor da armada, que vinha atrás, se foram embora, e a nau também, seguindo seu caminho para São Vicente, onde contaram ao capitão-mor, e aos mais o que lhes havia sucedido. Neste tempo estava a povoação de São Paulo, que é da capitania de São Vicente, de guerra com o gentio, que a tinha posta em grande aperto, ao que acudiu Estácio de Sá com muita gente da que consigo levava, a cuja vista o gentio lhe veio logo pedir pazes, e ele lhas concedeu, e ficaram fixas. Entretanto chegaram os capitães Jorge Ferreira, e Paulo Dias, com as canoas, e gentio, que tanto que chegou mandou buscar a Cananéia, e provida a armada de todo o necessário se partiu outra vez para o Rio de Janeiro no ano de mil quinhentos sessenta e quatro, dia de São Sebastião, a quem tomou por patrão da sua jornada, entrou pelo Rio em primeiro de março, e ancorando na enseada, saltaram em terra, e feitos tujupares, que são umas tendas ou choupanas de palha, para morarem, onde agora chamam a Cidade Velha, ao pé de um penedo, que se vai às nuvens, chamado o Pão de Açúcar, se fortificaram com baluarte, e trincheiras de madeira, e terra, o melhor que puderam, donde saíam a fazer guerra aos bárbaros, ajudando-os Deus por espaço de dois anos que ali estiveram, de modo que em encontros quase sempre saíam vitoriosos, e os feridos de mortais feridas das flechas inimigas brevemente saravam: outros feridos nos peitos nus com pelouros dos arcabuzes franceses, não sentiam mais o golpe que se estiveram armados de peitos de prova, e aos pés lhes caíam os pelouros. Cansados já os Tamoios de tão prolixa guerra, e enfados de ruins sucessos, porque ordinariamente nos encontros saíam escalavrados, determinaram lançar o resto de seu poder, e de sua ventura em uma batalha industriados pelos franceses, e sem dúvida a coisa ia traçada para conseguirem seu intento. Porém a Divina Providência se acostou à parte mais justificada. Haviam os Tamoios ajuntado ao número ordinário de suas canoas outras novas, que chegaram a cento e oitenta, fabricadas secretamente longe do posto donde estavam os navios dos portugueses. Toda esta armada de canoas puseram em cilada, escondida em uma volta que fazia o mar, daqui saiu um pequeno número delas, contra as quais mandou o general cinco das nove que trouxe de S. Vicente, porque os índios amigos, enfadados da guerra, se haviam já ido com as quatro. Os Tamoios, não ainda bem começada a batalha, viraram as costas, que assim o haviam traçado, e meteram os nossos, que atrevidamente os iam seguindo na cilada, donde saíram as mais canoas inimigas, e subitamente as cercaram por todas as partes; mas nem por isso perderam o ânimo os portugueses, antes resistiram valorosamente ajudados do Divino favor, o qual ainda das coisas que parecem adversas sabe tirar prósperos sucessos, como aqui se viu que acaso ascendendo-se a pólvora em uma das nossas canoas chamuscou a alguns dos inimigos, que a tinham abordada, com o que, e com a chama que levantou a pólvora se alterou tanto a mulher do general, Tamoia, que dando gritos e vozes espantosas atemorizou a todos, e sendo seu marido o primeiro que fugiu com ela, os seguiram os mais, deixando livres os nossos, os quais tornando às suas fronteiras deram graças a Deus por tão grande benefício, e por os haver livres de perigo tão grande pela voz e assombro de uma fraca mulher, ainda que depois declararam os mesmos inimigos que não fora por isto, senão por haverem visto um combatente estranho, de notável postura, e beleza, que saltando atrevidamente nas suas canoas os enchera de medo; donde creram os portugueses que era o bem­aventurado S. Sebastião, a quem haviam tomado por padroeiro desta guerra.

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